Movimento autonomista pretendia criar um Estado independente no Nordeste, em reação ao autoritarismo de dom Pedro 1°. Sua repressão, cinco meses depois, é considerada uma das mais sangrentas do período imperial.Nas províncias nordestinas, o clima era de descontentamento frente aos rumos que o Brasil independente galgava. O declínio do ciclo do açúcar deixava a região economicamente mais fraca frente ao Rio, transformado em capital, a Minas, com a exploração de metais preciosos, e a São Paulo, com o início da riqueza cafeicultora.

O escritor, religioso e político Frei Caneca (1779-1825) conclamava à indignação: “Por que razão o Senado do Rio deve ser a bússola do Brasil ou servir de guia a todas as demais províncias? O Senado do Rio tem tanto direito para nos dar a lei como o de Maragogipe nessa Bahia e o da Jacoca na Paraíba do Norte”.

Caneca, ao lado do político Manoel de Carvalho (1774-1855), foi um dos principais líderes da Confederação do Equador, fundada em 2 de julho de 1824, no Recife. De inspiração liberal — em parte buscando seguir o modelo dos Estados Unidos, que eram país independente já desde 1776 —, o movimento pretendia criar uma nação autônoma formada pelas então províncias de Pernambuco, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe e Alagoas.

O plano não funcionou. Apenas algumas vilas da Paraíba e do Ceará aderiram.

É controversa a ideia de que o movimento tinha caráter republicano. Como observa o historiador Evaldo Cabral de Mello no livro A Outra Independência: Pernambuco, 1817-1824, “os documentos oficiais expedidos a partir de 2 de julho não falam jamais em ‘república’”.

Era, na verdade, um movimento contra a centralização de poder pretendida por dom Pedro 1° (1798-1834). Que, nas palavras de Mello, “não visara fazer uma revolução nem destruir a monarquia constitucional, apenas opor-se ao projeto do imperador […].”

A oposição nordestina se tornou ainda mais intensa depois de dom Pedro dissolver a assembleia constituinte, em novembro de 1823, e impor sua constituição, em março de 1824. Segundo Azedo, foi esse o clima que permitiu o surgimento de fagulhas de insurgência.

“É importante situar a Confederação do Equador dentro de um processo, no plural, de independências do Brasil”, pontua o historiador Victor Missiato, da Universidade Estadual Paulista.

Ele argumenta que havia uma postura muito crítica “em relação ao modo como a independência estava se colocando como muito centralizadora por parte de dom Pedro 1°”.

“O clima político era de muita agitação em várias províncias”, ressalta. Em confronto, estavam diversas “ideias de Brasil”.

“As disputas entre interesses econômicos e sociais na organização política do nascente Império do Brasil assumiram expressões regionais, contrapondo, com maior ou menor intensidade e violência, segmentos diversos”, contextualiza o historiador Paulo Henrique Martinez, professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

“Comerciantes, burocracia civil, eclesiástica e militar, criadores de gado, donos de engenhos e de plantações, de gêneros de abastecimento e de exportação, arrecadação de impostos e cargos na administração local e regional foram ativos e recorrentes sujeitos políticos. A composição e as formas de disputas podiam envolver em maior ou menor número segmentos populares, soldados e marinheiros, libertos e rebeldes africanos escravizados.”

Ele ressalta que o clima era de “tensão e imprevisibilidade constante quanto aos rumos políticos”. “Reatamento da unidade com Portugal, autonomia e unidade territorial brasileira, fragmentação regional e diferentes formas de governo eram possibilidades concretas, ainda que sob risco de forte instabilidade e confrontos militares”, explica Martinez.

“A Confederação do Equador foi o projeto político regional e divergente mais organizado e evidente de interesses contrapostos na primeira década de vida nacional autônoma”, considera ele.

Repressão foi violenta

Depois da “independência” proclamada por Carvalho, não tardou para a Confederação do Equador ser reprimida pelo governo imperial.

Na esfera administrativa, a primeira medida punitiva veio por meio de uma canetada do imperador datada de 7 de julho — a província de Pernambuco foi reduzida de 250 mil metros quadrados para pouco menos de 100 mil.

D. Pedro 1° pegou dinheiro emprestado da Inglaterra e contratou uma tropa de mercenários para atuar no Recife, sob o comando do oficial naval britânico Thomas Cochrane (1775-1860). O militar comandou uma divisão naval formada por quatro embarcações e tropas de 1.200 homens, que desembarcaram em Maceió, na então província de Alagoas, com destino à Pernambuco.

No trajeto, soldados e milicianos passaram a reforçar o grupo, que chegou a contar com 3,5 mil combatentes. Hábil, Cochrane conseguiu que seu exército cercasse o Recife — sua ideia era forçar uma rendição de Carvalho e dos demais líderes.

Como os confederados não aceitaram, houve ataque — o primeiro, em 12 de setembro. Carvalho conseguiu fugir. Após sucessivas batalhas, com larga vantagem para os que estavam a serviço do império, o movimento foi completamente esfacelado em 29 de novembro.

A repressão é a considerada a mais violenta do período imperial brasileiro, com 31 dos revoltosos tendo sido condenados à morte — Caneca entre eles. Desses, nove conseguiram fugir e escaparam da pena capital — Carvalho entre eles. Centenas de revolucionários foram presos e não se sabe exatamente quantos foram mortos. Segundo Mello, houve “mais de uma dezena de vítimas”.

“A campanha militar contra a Confederação do Equador foi extremamente violenta”, avalia Missiato.

Projetos distintos

Martinez comenta que “permanece aberto o alcance do debate político e do pensamento constitucional na primeira metade do século 19”, e a Confederação do Equador é um capítulo importante para essa discussão.

Afinal, dali poderia ter nascido um outro país latino-americano. Que não necessariamente seria republicano em sua origem, mas teria uma outra organização constitucional, seria fruto da circulação de ideias liberais.

“Os países da América latina e o Brasil, em particular, enfrentaram o desafio de ter de acertar o passo entre dois movimentos distintos, mas imbricados. De um lado, a reforma das estruturas e formas jurídico-políticas existentes e transplantadas da Europa ou mesmo dos Estados Unidos; de outro lado, tiveram que encontrar caminhos próprios, adequados às suas realidades socioeconômicas e conveniências políticas”, afirma o historiador.

“Vivemos nesse labirinto, cujos habitantes mais emblemáticos foram Simón Bolívar, na América hispânica, e dom Pedro 1°, na América portuguesa. Este sonhou ser monarca absoluto no Brasil, e liderança do liberalismo político em Portugal”, compara. “Sintomas sociais da incerteza e da experimentação política a que [até hoje] estão submetidas estas sociedades, em pleno século 21.”