03/06/2022 - 7:31
Em 1992, representantes de 178 países se reuniram no Rio para discutir problemas ambientais. Conferência chamou atenção para desenvolvimento sustentável e viabilizou tratados, mas passos concretos ainda deixam a desejar.Efeito estufa, desmatamento, camada de ozônio. Três décadas atrás, esses e outros conceitos ainda eram muito mais restritos aos jargões dos cientistas do que presentes no dia a dia da população em geral. Trazer a conscientização ecológica para o debate público, apontam especialistas, foi o principal legado da Eco-92 ou Cúpula da Terra, como ficou conhecida a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que reuniu representantes de 178 nações no Rio de Janeiro entre 3 e 14 de junho de 1992.
Faz 30 anos, e as transformações vividas pelo planeta de lá para cá tornaram imprescindível o que já era urgente: colocar em prática medidas para conter a devastação ambiental em busca de um desenvolvimento sustentável. Com termômetros marcando temperaturas cada vez mais elevadas, o vocabulário do tema também foi atualizado — “aquecimento global” e “catástrofe climática” são exemplos de termos hoje correntes.
“A Eco-92 trouxe à pauta política internacional e ao discurso público temas que até então eram praticamente restritos à comunidade científica. A mudança climática, por exemplo, já havia sido apontada há muitas décadas, desde pelo menos meados do século 20, mas era uma coisa distanciada do grande público e dos gestores públicos ou privados”, afirma o biólogo Mairon Bastos Lima, pesquisador do Instituto Ambiental de Estocolmo. “O evento foi vanguardista, mas ainda temos um atraso grande para tirar”, avalia.
“Podemos dizer que a Eco-92 iniciou o século 21. Consagrou a ideia do desenvolvimento sustentável, que se diferencia qualitativamente do crescimento econômico, e mostrou a necessidade de incorporar a sustentabilidade à agenda empresarial e dos governos”, resume o ambientalista Fabio Feldmann, consultor sênior do Centro Brasil no Clima.
Segundo ele, o evento colocou como fundamental a garantia dos direitos das futuras gerações. “Em outras palavras: mudou o mundo”, considera.
Ao colocar a ecologia como fundamental, a Eco-92 também impactou o marketing e as próprias relações comerciais. “Foi referência para a mudança de mentalidade também nas empresas”, pontua o publicitário Marcus Nakagawa, coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Sustentável. “A importância do marketing para causas ecológicas é fundamental. Muitas organizações fazem todo um marketing social e ecológico ensinando as pessoas a importância de se olhar e preservar a natureza e esse movimento começou a crescer [a partir daquele evento].”
Os desdobramentos
No aspecto prático, a conferência teve o mérito de ter sido a primeira a conseguir colocar na mesma mesa tantos líderes mundiais — houve presença maciça de chefes de Estado no Rio. E os desdobramentos que ficaram, além da temática incorporada ao debate público, são os tratados e conferências costurados posteriormente.
Lima explica que a Eco-92 criou “as chamadas convenções-quadro da ONU: para o clima, para a conservação da biodiversidade, e de combate à desertificação”.
“São acordos importantíssimos e que até hoje norteiam a política ambiental internacional”, avalia. “Se temos desde os anos 1990 encontros anuais das conferências do clima [as chamadas COP], entre outros, devemos isso àqueles acordos firmados no Rio em 1992. Essas conferência se dão todas dentro do contexto daquelas convenções.”
“As conferências do clima são a formalização da Eco-92”, define o ambientalista Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
O mesmo vale para os tratados firmados. Em 1997, por exemplo, foi assinado o Protocolo de Quioto, uma consequência da convenção-quadro do clima estabelecida na Eco-92. E, em 2015, o Acordo de Paris.
“Os frutos do evento, portanto, seguem tendo desdobramentos positivos. Não ficaram lá atrás limitados ao evento em si”, argumenta o biólogo Lima.
O ambientalista Astrini afirma que a partir da Eco-92 “o mundo passou a encarar os problemas do clima com muito mais seriedade”. “Os olhos do mundo estavam acompanhando o que estava sendo falado no Rio de Janeiro, palco privilegiado para o tema, que ganhou um espaço nunca havido antes”, comenta.
Ele concorda que a conferência criou “as bases para protocolos como o de Quioto” e também para as cúpulas sobre clima. “Ali foi dado o passo decisivo para todos os debates que até hoje acontecem sobre clima”, diz Astrini.
A partir de Estocolmo
A conferência ocorrida no Rio em 1992 partia de um marco histórico: exatos 20 anos antes, em 1972, o primeiro grande evento do mundo dedicado ao meio ambiente havia ocorrido em Estocolmo, na Suécia. O escopo de ambos era o mesmo — a diferença foi a maneira como a edição brasileira conseguiu congregar chefes de Estado e atrair holofotes.
Além do aspecto político, houve também uma intensa apresentação de pesquisas científicas e a participação maciça, em uma espécie de evento paralelo, de organizações não governamentais dedicadas à preservação do meio ambiente.
Entre os resultados, destacam-se ainda a publicação de alguns documentos oficiais que, de certa forma, até hoje norteiam discussões ambientais. É o caso da Carta da Terra e da Agenda 21.
Considerado o principal documento daquela conferência, o Agenda 21 procura conciliar métodos de preservação ambiental com eficiência econômica e justiça social. Apresenta-se como um programa, com a pretensão de viabilizar um padrão de desenvolvimento que seja compatível com o meio ambiente.
Mas nem tudo se traduziu em avanços. Uma quarta convenção-quadro, sobre florestas, foi propostas mas acabou não sendo criada — o próprio Brasil foi contrário, “temendo intromissão estrangeira” em suas florestas, aponta o biólogo Lima.
“O que também deixou a desejar foi a superficialidade do compromisso dos países ricos, firmado à ocasião num mundo ainda bastante otimista com […] uma ideia de que não havia mais competição geopolítica [era um momento de fim da Guerra Fria]”, acrescenta Lima.
“Um dos fundamentos de todos esses acordos e convenções firmados na Rio-92 foi a distinção entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, e que os primeiros liderariam a transição, reduzindo as suas emissões, e auxiliando os países em desenvolvimento com apoio financeiro e transferência de tecnologia”, complementa o biólogo. “Infelizmente, isso não ocorreu nem de longe na medida necessária.”
Feldmann argumenta que enquanto as conferências internacionais servem para “apontar caminhos e criar compromissos éticos e legais”, elas não têm “capacidade de garantir a implementação”. “Isso sempre depende de governos, empresas, indivíduos, enfim, da sociedade.”
Peso político
Na avaliação de especialistas, o gigantismo da Eco-92 reside na maneira como envolveu o planeta. “A premissa é que as conferências sejam grandes marcos políticos. A Rio 92 foi a maior delas em termos de presença de chefes de Estado e importância. E, por isso, uma nova conferência tem de ser realizada com uma agenda que possa reunir governos e sociedade, e fazer diferença”, diz Feldmann.
Trinta anos depois da conferência histórica, o Brasil não só descartou reeditar um evento nas proporções da Eco-92 como vê seu papel nas negociações em torno do meio ambiente seriamente comprometidos pela forma inadequada com que o atual governo federal conduz as políticas do setor.
“A agenda do clima é de liderança, é coletiva, é de futuro, é de construção. São valores muito grandes para um governo pequeno como o que temos hoje no Brasil, que não combina com essa agenda”, pontua Astrini, citando que a gestão Jair Bolsonaro se opôs a que o país sediasse a COP em 2019.
“No momento, o governo brasileiro é a síntese do que o mundo não precisa em termos de meio ambiente e clima”, avalia o ambientalista.