21/12/2005 - 8:00
DINHEIRO ? Por que a Telefônica resolveu mudar sua estrutura?
MANOEL AMORIM ? A companhia resolveu se estruturar dando mais ênfase para as linhas de negócios e para os segmentos de clientes do que para os aspectos geográficos. Por quê? Porque somos a maior operadora de telefonia da América Latina, temos escala gigantesca, mas não aproveitamos as sinergias possíveis dessa escala. As operações nos quatro países da região (Brasil, Argentina, Peru e Chile) são excessivamente independentes. Temos um tripé de objetivos: custos menores, agilidade na atuação dos mercados e mais desenvolvimento em inovação.
DINHEIRO ? Como isso afeta os negócios da empresa?
AMORIM ? Vou dar um exemplo. Temos planos diferentes de comercialização do Speedy (o serviço de banda larga da Telefônica) diferentes para cada um dos mercados da região. Cada subsidiária fazia como achava melhor. Mas a tecnologia é a mesma, o cliente tem o mesmo perfil e o produto é o mesmo. No entanto, produzimos 50 comerciais por ano, quando poderíamos criar apenas 20. Outro exemplo: por que manter um call center em cada país se podemos concentrá-los em um único local? O usuário chileno que liga para nossa central está interessado em ser atendido por alguém que fale seu idioma e resolva seu problema. Para ele, não importa se o atendente está em Santiago do Chile ou numa cidade mineira.
DINHEIRO ? Para a empresa, está claro que o novo sistema é vantajoso. E para o cliente?
AMORIM ? Primeiro, as economias geradas nesse processo poderão ser repassadas para as tarifas. Inovações e serviços mais avançados chegarão mais rapidamente aos usuários. Quando uma boa idéia surgir em um mercado, imediatamente poderá ser estendido para outro país, pois o comando de todos os mercados estarão com o mesmo executivo. Por exemplo: estamos trabalhando aqui no Brasil no desenvolvimento de um cartão híbrido, que tenha as funções de crédito e telefônico. É uma ótima idéia, que vai gerar muita receita. Por que não oferecê-la para os usuários dos demais países?
DINHEIRO ? Qual a economia potencial nessa nova estrutura?
AMORIM ? Ainda não sabemos. Encontrar os pontos de sinergia e calcular seus valores será nossa primeira tarefa.
DINHEIRO ? Quando a reestruturação começou a ser definida?
AMORIM ? Há dois anos, começamos a conversar sobre isso e, seis meses atrás, a McKinsey foi contratada para fazer um estudo sobre essa possibilidade. Daí surgiu a estrutura, formada por três grandes unidades de negócios: uma voltada para grandes empresas, outra para pequenas e médias empresas e uma para clientes residenciais. Esta última, com receita líquida de quatro bilhões de euros e 22 milhões de usuários, ficará sob minha responsabilidade. Haverá uma quarta unidade, responsável pelos serviços de rede e de sistemas.
DINHEIRO ? Mas o ministro tem sofrido uma série de acusação de corrupção. Sua saída seria muito ruim?
BEERS ? Ouvi uma frase do ministro que traduz exatamente o que penso. Não é um homem quem faz a política econômica, mas um governo. Por mais que ele possa sair, não haverá, na nossa visão, uma mudança relevante.
DINHEIRO ? O sr. acredita que poderá aumentar o número de clientes nos mercados latino-americanos com essas mudanças?
AMORIM ? Em alguns casos, sim. No Peru, por exemplo, há apenas oito telefones para cada dez habitantes. Mas no Brasil, o índice de penetração é de 30% e nossa participação já é muito grande. Então, aqui poderemos aproveitar melhor nossa base de clientes.
DINHEIRO ? Então a dificuldade de crescer no Brasil foi um dos motivos para a reestruturação?
AMORIM ? Não. O principal motivo foi a maturidade da Telefônica. Todas as grandes multinacionais já se estruturam dessa maneira.
DINHEIRO ? As mudanças recentes na telefonia, como a cobrança de assinatura com base em minutos, estimularam a reestruturação?
AMORIM ? Nenhuma dessas mudanças é novidade. Elas estavam previstas nos contratos de concessão. Há dois anos, elas foram anunciadas para que as empresas pudessem avaliar se interessavam na prorrogação dos contratos com essas novas regras. O importante é que até agora tudo foi feito com base em argumentos e estudos técnicos. Por exemplo: na transição de pulsos para minutos não poderia haver perda de receitas para as operadoras. O pessoal da Anatel fizeram medição nas operadoras, verificaram tráfego, viram a receita auferida por minuto. Enfim, tudo foi feito de uma forma muito técnica, inclusive com auditorias independentes acompanhando. O que me preocupa é a possibilidade de se politizar um processo de mudanças na telefonia, importante para o País. Nos últimos anos, o grande aporte de recursos no País veio das privatizações e dos investimentos pós-privatização. Só de 2000 para cá, a Telefônica de São Paulo investiu mais de R$ 15 bilhões. Até cinco anos atrás, uma linha telefônica custava US$ 3 mil e demorava meses para ser instalada. Hoje, custa R$ 100 e está instalado em uma semana.
DINHEIRO ? O sr. está vendo sinais de politização?
AMORIM ? Não, mas levantam assuntos como o debate sobre o final das assinaturas. Isso não faz o menor sentido. Só dois países do mundo não têm assinatura. É um assunto que não cabe discussão. Quando as operadoras vieram para cá, vieram com um modelo tarifário com essas várias modalidades. É necessário manter os aspectos técnicos, nas decisões, nas indicações dos conselheiros da Anatel.
DINHEIRO ? Os critérios para a Anatel não são técnicos?
AMORIM ? Não vou dizer que não são. O importante é que sejam sempre técnicos. Mais: o corpo técnico precisa ser preservado. Temos que evitar o populismo que sempre é um tiro que sai pela culatra. Não me ponha em maus lençóis com essas perguntas.
DINHEIRO ? A gestão do ministro Hélio Costa, das Comunicações, tem preservado isso?
AMORIM ? Eu diria o seguinte: o enfoque que ele está dando agora para a inclusão digital e para a definição de um padrão de TV digital é muito mais importante para o País do que a discussão de pontos já definidos como a questão da assinatura. Essa mudança de enfoque na gestão é positiva.
DINHEIRO ? Hoje, há quatro grandes operadoras de telefonia fixa atuando no mercado, sem grande competição entre si. Esse modelo é bom para o Brasil?
AMORIM ? Seria melhor se fosse um modelo com dois ou três competidores atuando no País inteiro. Aliás, acho que o mercado brasileiro não comporta mais de duas operadoras. Acho que o modelo americano é ideal, com a criação das baby bells e depois deixar acontecer a consolidação. Hoje, o modelo privilegia um número grande de competidores. Olhe o caso dos celulares. Há mais gente do que o mercado suporta. O resultado é que tornou-se o mercado menos rentável do mundo. O próximo passo é reduzir investimentos e não trazer inovações.
DINHEIRO ? O que fazer?
AMORIM ? O objetivo do órgão regulador não deveria ser garantir o maior número de competidores, mas, sim, um nível de competição que gerasse um serviço de qualidade e com preço justo. Isso é o que importa para o consumidor, pois é isso que o beneficia. Ele não quer escolher entre um número grande de empresas, mas sim ter bons serviços.
DINHEIRO ? Não é arriscado manter o mercado nas mãos de poucas empresas?
AMORIM ? Quando eu geria a área de produtos de consumo de uma empresa na América Latina, o Brasil tinha oito companhias nesse setor. Os outros países, duas ou três. Aqui a rentabilidade era baixa. Sabe o que acontecia? Quando uma máquina no Peru, por exemplo, se tornava obsoleta, eu enviava para o Brasil. O resultado? A linha de produtos aqui estava duas gerações abaixo daquela comercializada no México. O mercado aqui era fragmentado e ninguém ganhava dinheiro.
DINHEIRO ? Das quatro empresas, quem fica?
AMORIM ? Há três candidatos para o papel de consolidador, que ficariam com essas duas vagas. Seria a Telefônica, a Telecom Italia e a Telmex, do Carlos Slim. São as que têm porte e presença suficientes para assumirem esse papel. Não acredito nas outras duas. Mas nossa maior concorrência não é essa.
DINHEIRO ? Quem é?
AMORIM ? A telefonia móvel. São duas vertentes. Primeiro elas roubam o tráfego das operadoras fixas. Depois roubam o que chamamos de acesso, ou seja, o usuário decide que não precisa mais do telefone fixo pois já tem o celular.
DINHEIRO ? Essa situação é reversível?
AMORIM ? Esse é o grande desafio que temos pela frente. O que precisamos fazer é tornar o serviço de telefonia fixa mais relevante para o cliente. Então, precisamos fazer com que nossa rede entregue mais do que transmissão de voz. Por isso, estamos investindo em banda larga, pois a qualidade e a velocidade são muito melhores do que na internet pelo celular. Quando cheguei na Telefônica, tínhamos 20 mil usuários de banda larga. Hoje, são mais de 1,2 milhão. Também precisamos oferecer vídeo ? não pelo computador, mas sim permitir que o sujeito pegue o cabo de cobre da linha telefônica, conecte-o num aparelho na parte de trás da televisão e faça sua própria programação e assista a um filme com qualidade superior à da TV a cabo. Precisamos agregar valor ao nosso serviços. Se ficar somente na voz, ele será dispensável e substituído e perderemos a corrida para a telefonia móvel.