DINHEIRO ? A África é um continente pobre. Por que investir lá?


CÉLESTIN MONGA ? A África é uma região de economias pequenas. O Produto Interno Bruto (PIB) africano no ano passado foi de US$ 1,3 trilhão, ao passo que o Brasil, sozinho, registrou US$ 1,5 trilhão. Mesmo assim há boas notícias. O continente está crescendo depressa e resistiu bem à crise financeira. Mais importante que o PIB, porém, é a população. A África hoje tem um bilhão de pessoas, muitas delas são jovens e os países da região podem investir muito em infraestrutura nos próximos anos.

 

 

DINHEIRO ? Como a situação africana está mudando?


MONGA ? Há mais países dispostos a fazer negócios na África. China, Brasil, Índia e países árabes hoje investem e financiam as empresas africanas. Isso não ocorria há 30 anos, quando só havia dinheiro no Banco Mundial ou no Fundo Monetário Internacional (FMI). Há reformas em andamento e as estratégias nacionais de investimento são mais racionais.

 

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“Os salários são baixos e as empresas brasileiras podem terceirizar atividades”

Canteiro de obras da Odebrecht na hidrelétrica de Capanda, em Angola 

 

 

DINHEIRO ? Onde estão as oportunidades?


MONGA ? Em todos os campos. Falando especificamente sobre o Brasil, o País tem uma grande experiência em agricultura. A capacidade técnica brasileira é fabulosa. A África possui terra e mão de obra baratas, mas não tem capacidade técnica e financeira. Juntar as duas competências é uma estratégia de desenvolvimento realista.

 

 

DINHEIRO ? Como assim?


MONGA ? Muitos países africanos fizeram a coisa errada nos anos 60. Eles decidiram desenvolver atividades muito à frente de suas possibilidades. Alguns quiseram construir fábricas de aviões em lugares onde não havia comida. É preciso que os africanos sejam realistas e escolham empresas condizentes com as vantagens comparativas da África, indústrias que possam usar o fator de produção que temos disponível, a mão de obra barata. Em vez de escolher indústrias de capital intensivo ou que precisam de tecnologias ultrassofisticadas, podemos dar preferência a pequenas indústrias. A África ainda importa quase tudo. Muitas coisas que não requerem especialização podem ser produzidas localmente.

 

 

DINHEIRO ? Há economias emergentes na África?


MONGA ? Várias. A mais importante é a África do Sul, mas há países de médio porte como Líbia, Guiné Equatorial, Gabão e Botsuana. São países onde o PIB per capita está entre US$ 5 mil e US$ 10 mil. Outros dez países devem se unir a esse grupo nos próximos dez anos. Além disso, a população africana é jovem, o que significa que haverá novos consumidores por muito mais tempo. É importante que o Brasil não perca essa oportunidade.

 

 

DINHEIRO ? Já existem empresas brasileiras na África, como Petrobras e Odebrecht. Como o sr. enxerga a atuação brasileira?


MONGA ? Ainda está aquém do seu potencial. As companhias brasileiras estão focando países onde as pessoas falam português. É um bom começo, mas é necessário ir além e testar Nigéria, Camarões, Senegal, Quênia, porque há oportunidades em todos os lugares. As empresas deveriam ser mais agressivas porque as oportunidades estão lá.

 

 

 

DINHEIRO ? Como a influência das empresas brasileiras na África pode crescer?


MONGA ? A África pode se tornar o mercado externo mais importante para o Brasil. Mas isso precisa ser uma decisão estratégica das companhias brasileiras. O governo brasileiro pode até ajudar, mas a escolha cabe ao setor privado. Os empresários brasileiros precisam entender que os riscos são elevados, que o ambiente de negócios não é fácil e que há problemas de infraestrutura, mas, quando você supera essas dificuldades, o ganho é enorme.

 

 

DINHEIRO ? Por onde começar?


MONGA ? Os empresários brasileiros e africanos devem decidir estratégias em conjunto, e sempre com a participação de câmaras de comércio e governos. É preciso identificar as empresas corretas para cada país e os obstáculos que deverão ser superados. É importante decidir que indústrias devem ser desenvolvidas, quais produtos devem ser produzidos em cada país.

 

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“A África tem vários déficits e o principal deles é o de autoestima”

Torcedores sul-africanos na Copa do Mundo: orgulho continental

 

 

DINHEIRO ? Quais as vantagens competitivas das empresas brasileiras?


MONGA ? Elas podem terceirizar parte de sua produção. O Brasil cresceu depressa, os salários subiram e alguns setores da economia ficaram menos competitivos. Atividades que não são competitivas no Brasil podem ser transferidas para os países africanos, onde há uma mão de obra muito mais barata, e em alguns casos há boa infraestrutura. Onde há carência de infraestrutura podem ser construídas o que chamamos de zonas de exportação, pequenas áreas geográficas próximas a portos. Isso pode ser feito sem dificuldade.

 

 

DINHEIRO ? Como a crise financeira afetou a África?


MONGA ? De várias formas. Muitos países são exportadores de commodities. Quando veio a crise, a demanda por commodities caiu. Do lado financeiro, alguns investidores nos Estados Unidos e na Europa que estavam dispostos a trazer dinheiro para a África mudaram de ideia. Além disso, muitos africanos que trabalham na Europa ou nos Estados Unidos enviam dinheiro para suas famílias. As remessas do exterior representam uma parte importante dos orçamentos nacionais. Eu mesmo envio 30% do meu salário todo mês. Quando as pessoas perderam seus empregos, mandaram menos dinheiro, o que desequilibrou as contas.

 

 

DINHEIRO ? E os bancos?


MONGA ? Os bancos africanos sofreram pouco, pois não são muito conectados com o sistema financeiro internacional.

 

 

DINHEIRO ? Isso não é um problema?


MONGA ? Países diferentes deveriam ter estruturas financeiras diferentes. Não acho que haja um modelo ótimo. Países pequenos e mais pobres não deveriam tentar desenvolver um mercado de capitais muito sofisticado ou bancos comerciais muito grandes. Esses países precisam de pequenos bancos locais, focados de fato em indivíduos e em pequenas empresas.

 

 

DINHEIRO ? E isso não vem ocorrendo?


MONGA ? Não, pois muitos países africanos estão tentando copiar os países grandes. Estão obcecados em ter um mercado de capitais sofisticado, mas há pouquíssimas empresas capazes de ser listadas. Os investidores africanos não estão interessados em bolsa de valores. Esse produto financeiro requer um desenvolvimento elevado. O que os países africanos de fato precisam é de bancos pequenos, com produtos e serviços muito simples. Na África há grandes empresas, que podem acessar o mercado internacional a qualquer momento. É preciso criar um sistema financeiro e bancário que corresponda às necessidades de quem não tem essa possibilidade.

 

 

DINHEIRO ? Como o sr. vê a atitude da comunidade internacional em relação aos problemas africanos?


MONGA ? Os africanos têm muito para fazer, mas a comunidade internacional também deve fazer a sua parte. Veja o que aconteceu na Europa Oriental depois da queda do comunismo. A comunidade internacional se apressou em apoiar os novos governos democráticos na Polônia, Estônia, Ucrânia, Romênia. Não vimos isso na África.

 

 

DINHEIRO ? Por que ocorre esse isolamento?


MONGA ? Existe um desprezo em relação à África. A comunidade internacional não olha para essa questão. As pessoas em Nova York, em Paris ou em Londres não pensam que a África mereça o mesmo respeito que o Leste Europeu. Quando dez pessoas são mortas em uma manifestação na Ucrânia, vemos (o presidente americano) Barack Obama condenando esse terrível ato. Se noticiarmos que 100 mil mulheres foram estupradas no Congo, não ouviremos Barack Obama condenar essa tragédia. Há diferenças de tratamento e uma falta

de sensibilidade da comunidade internacional. Esse é o principal problema.

 

 

DINHEIRO ? Que mudanças são necessárias para que haja progresso na África?


MONGA ? Costumo dizer que a África possui quatro déficits. O primeiro é o déficit de autoestima. Os africanos não se levam a sério o suficiente devido à violência, à escravidão, ao colonialismo, que acabou há 50 anos, mas que ainda está na mente das pessoas. Os novos líderes se comportam como antigos colonizados. O segundo é o défici de liderança. É preciso desenvolver pessoas com visão e estratégias realistas para levar os africanos aonde querem chegar. O terceiro é o déficit de conhecimento, pois os africanos não são curiosos o suficiente. Ainda não tiramos vantagem das oportunidades de aprendizagem em todo o mundo geradas pela globalização. As pessoas na África podem viajar mais, vir para o Brasil, ir para a Índia, a China, e aprender, mas não fazem. O último déficit é o de comunicação. É a incapacidade de lidar e resolver os conflitos que existem em todas as sociedades. Na África não nos antecipamos aos problemas. Não fazemos nada sobre pequenos conflitos e, quando percebemos, eles se transformaram em guerras civis.