14/09/2001 - 7:00
DINHEIRO ? Que conseqüências os ataques terroristas trarão para a economia dos Estados Unidos e do mundo?
ALLAN MELTZER ? A primeira delas é o aumento brutal do risco dos investimentos. Isso vale não apenas para os Estados Unidos, mas para vários países. Uma recessão na América, certamente, produz impactos em todo o mundo. Mas, no longo prazo, tudo depende das reações e da forma de retaliação que será adotada pelo governo americano e seus aliados. Falo das respostas para eliminar de vez o terrorismo ou, pelo menos, reduzi-lo de forma substancial.
DINHEIRO ? Mas o desempenho das bolsas de valores nos últimos dias indica que a reação do mercado, embora não tenha sido catastrófica, também não foi muito positiva…
MELTZER ? Isso não foi surpresa, pelo menos para mim. Na semana anterior, quando os atentados ocorreram e os mercados ficaram fechados nos Estados Unidos, as bolsas de valores caíram pelo menos 10% na Europa e até mais no Japão. Depois de um atentado daquela magnitude, imaginar uma reação melhor seria esperar demais. O que importa é que, a médio prazo, as ações se recuperem e a economia mundial retome um caminho de crescimento.
DINHEIRO ? Como o senhor avalia a ação dos bancos centrais nos EUA e na Europa, que reduziram suas taxas de juros e tentaram injetar mais recursos no sistema financeiro?
MELTZER ? Acho que a ação coordenada das autoridades monetárias globais não poderia ter sido mais apropriada. Até porque, no curto prazo, os efeitos de uma crise como a atual são muito ruins. Na semana do atentado, nada se fez nos Estados Unidos a não ser assistir televisão. É importante que a vida retome sua normalidade e, nisso, a expansão do crédito ao mercado tem um papel fundamental.
DINHEIRO ? Mas se os mercados continuarem em queda, a confiança dos consumidores não poderá ser afetada?
MELTZER ? Sinceramente, não acho que haverá uma grande reviravolta nos mercados nem a perda da confiança dos consumidores. Houve uma quebra momentânea no consumo porque os ataques acrescentaram um fator a mais
de incerteza no ar e as pessoas ainda não sabem ao certo o que vai acontecer. Leva algum tempo para que tudo volte ao
normal. Mas quando observo o envolvimento da população na busca de uma solução,
a determinação do governo para combater o terrorismo e a grande união entre os partidos, tenho razões para apostar em
um desfecho melhor. Não consigo imaginar os americanos deixando de consumir em razão do que aconteceu. A primeira
reação da sociedade americana tem sido muito positiva.
DINHEIRO ? Alguns analistas apontam até outros fatores positivos para estimular a economia, como uma política
fiscal mais expansionista para reconstruir Nova York. O
senhor concorda?
MELTZER ? Certamente, para algumas indústrias, haverá vantagens. É o caso da construção civil, da indústria bélica e de todos os setores ligados à atividade militar. Todos serão ajudados por mais gastos públicos. Mas também há perdedores, como as atividades de transporte aéreo, turismo e hotelaria. Hoje, assim como nos primeiros meses após a Guerra do Golfo, as pessoas não querem mais viajar. Naquela época, os aviões saíam quase vazios. Mas é um período transitório. Há milhares de efeitos e ainda é muito cedo para avaliar prós e contras.
DINHEIRO ? Mas antes alguns defendiam a idéia de que o monumental superávit americano acumulado nos últimos anos deveria ser usado para abater a dívida interna. Parece que esse debate foi superado, não?
MELTZER ? De fato. Isso não importa mais. Para dar um exemplo, basta lembrar que o presidente George W. Bush pediu US$ 20
bilhões ao Congresso para reconstruir Nova York e ampliar gastos com segurança e os parlamentares lhe deram US$ 40 bilhões.
Haverá muito mais gastos e ninguém hesitará em liberar mais recursos para um programa tão popular e necessário quanto a reconstrução da América.
DINHEIRO ? E isso será bom para a economia…
MELTZER ? Claro. Pelo menos, mal não fará. Teremos mais dinheiro em circulação e mais estímulos econômicos pelo lado fiscal. Ainda há muita ansiedade sobre o que vai acontecer, mas eu creio que, mesmo que as pessoas fiquem um pouco retraídas no início, a médio prazo estarão voltando a comprar casas ou automóveis, como faziam antes.
DINHEIRO ? Há também quem avalie que o presidente Bush agora terá mais força política para realizar algumas reformas, como reduzir a carga de impostos.
MELTZER ? Depois de tudo o que aconteceu, ninguém mais acha que é a hora de se propor corte de impostos e taxas. Há sempre os rumores tradicionais de Washington, mas simplesmente o que vejo é o presidente pedindo mais dinheiro e o Congresso autorizando.
DINHEIRO ? Como a crise pode afetar os países emergentes, especialmente aqueles que, como o Brasil, dependem muito de capitais externos?
MELTZER ? Eu enxergo dois efeitos
para a América Latina. Primeiro, o foco
do governo e do mercado financeiro estará centrado nos Estados Unidos,
nas ações terroristas e na política para
o Oriente Médio. Isso pode reduzir o volume de operações financeiras e também desviar a atenção dos problemas da região, especialmente da Argentina. Mas há um aspecto positivo. Com a economia mundial fraca, pode ser que haja mais tolerância para um programa de reestruturação de dívida, desde que essa proposta seja séria.
DINHEIRO ? Isso vale para o Brasil, que também vem tendo uma deterioração de suas dívidas interna e externa?
MELTZER ? Mesmo sem entrar nas particularidades de cada país, eu creio que sim. O importante é que as autoridades financeiras estejam preocupadas em evitar novas crises.
DINHEIRO ? Qual será, na sua avaliação, o desfecho da crise argentina? Se o euro se valorizar em relação ao dólar, pode até ser que a paridade seja abandonada, não?
MELTZER ? Para que isso aconteça, o euro teria de superar a barreira de US$ 1,00 e não me parece que isso acontecerá no curto prazo. De qualquer forma, acho que os argentinos não têm nada a ganhar com uma mudança de regime cambial, que não serviria para aumentar muito as exportações em um cenário de retração mundial e traria efeitos muito ruins para as contas públicas do país. Eu apostaria mais numa reestruturação da dívida. Acho que De La Rúa deve obter mais disposição dos credores.
DINHEIRO ? Ainda há uma certa dúvida em relação à forma de retaliação dos Estados Unidos. Uma guerra no Oriente Médio, com seus efeitos no preço do petróleo, não seria muito ruim para a economia global?
MELTZER ? Apesar de toda a retórica em torno disso, não acredito que os eventos recentes possam gerar um conflito de grandes proporções. Vejo essa guerra contra o terrorismo de uma outra forma. Acho que os EUA tentarão rastrear os recursos dessas organizações terroristas, para dificultar o acesso ao dinheiro. Na minha visão, Osama Bin Laden tem um papel importante nessa história trágica, mas não é a pessoa mais importante nesse cenário. É difícil de acreditar que ele tenha a infra-estrutura para planejar e pôr em prática tudo o que ocorreu sozinho. O que foi feito requer serviços de inteligência muito mais avançados do que os que ele tem. Então, há provavelmente outro país envolvido no plano e nos detalhes de sua execução.
DINHEIRO ? O governo americano diz que Bin Laden não é o único alvo e também aponta para os governos que abrigam terroristas. Isso não originaria um conflito maior?
MELTZER ? Além do Afeganistão, é possível um confronto
com o Iraque e talvez com a Síria. Mas ainda há um certo grau
de especulação nisso. É muito difícil prever o desfecho da ação
militar americana.
DINHEIRO ? Ataques a esses países não potencializariam o sentimento antiamericano que já existe no mundo árabe, gerando mais terrorismo?
MELTZER ? É claro que existem riscos. Mas há também riscos muito grandes na mão inversa e é importante pensar no longo prazo. Se estivermos preocupados em construir um mundo mais aberto, com mais comércio entre as nações e com mercados financeiros interligados, teremos de atacar o terrorismo. As pessoas devem colocar as paixões de lado e esperar uma política efetiva e de longo prazo contra esse problema.
DINHEIRO ? Mas, ao que parece, a opinião pública americana defende uma resposta rápida e violenta como forma de vingança. É essa a escolha correta?
MELTZER ? O que me parece mais importante agora é o fato de o presidente Bush estar recebendo apoio da sociedade e do Congresso para tomar decisões que são muito difíceis. Para que ele tenha sucesso na guerra contra o terrorismo, isso é fundamental. Mas acho que as pessoas não vão perder a confiança na atual administração se alguns passos forem em uma direção que não seja a mesma que a opinião pública deseja.
DINHEIRO ? O sr. está otimista ou pessimista em relação ao desfecho dessa crise?
MELTZER ? Tudo vai depender muito da habilidade para realizar mudanças, da força para tratar com os terroristas e também da formação de alianças por todo o mundo. Mas, passado o trauma dos atentados, eu diria que sou mais otimista do que pessimista em relação ao que vem pela frente.
DINHEIRO ? Quanto tempo levará para que os Estados Unidos retomem uma vida normal?
MELTZER ? Eu acho que várias pessoas, em várias partes dos Estados Unidos, já estão voltando a ter uma vida normal. Estão retornando ao trabalho, produzindo, consumindo. Mas outros setores jamais voltarão ao que considerávamos uma vida normal. O setor de aviação, por exemplo, não será mais o mesmo. Exigirá mais cuidados, mais interferência do poder público. Alguns confortos serão perdidos em prol de mais segurança. Além disso, também acho que o trauma dificilmente será esquecido.