Para um país mergulhado na inação institucional como o Brasil, a solução não passa mais somente pelas pessoas. Muito menos pela elite dos servidores públicos que temos – que vai dos líderes executivos aos parlamentares, incluindo parte suculenta do MP e das mais altas cortes. Esse caminho para a salvação se chama tecnologia. Especificamente, o blockchain. Antes de falar de como a solução poderia ser transformadora para um lugar de estruturas públicas tão viciadas ou corroídas, é preciso lembrar de nosso DNA como nação.

Nem é preciso um mergulho profundo pela história. Apenas o suficiente para entender que este país que não quer entrar no século 21 é consequência direta e inevitável de um lugar que sempre relutou em estar à frente de seu tempo. Passamos quatro dos cinco séculos de vida vivendo da pilhagem – fosse explorando a natureza, ou explorando e matando quem já vivia aqui antes dos conquistadores. Quanto à escravidão negra driblamos os ingleses como pudemos e só aprovamos uma lei que proibia (mas na prática não impedia) o comércio de escravos mais de 40 anos depois do The Abolition of the SlaveTrade Act (de março de 1807). Recebemos entre 4 milhões e 5 milhões de escravos da África e fomos o último grande país a dar liberdade a eles. E a Corte Portuguesa ensinou a elite [sic] nacional que quem está no topo deve aleitar-se do Estado.

Reino Unido prioriza tecnologia blockchain para simplificar mercados

Isso contaminou desde quem manteve essa trágica tradição até parte do empresariado, um pedaço que abomina o liberalismo e vive de alimentar práticas protecionistas ou reivindicar isenções fiscais. As exceções, ah, as exceções. Melhor assumirmos que como liderança de país não vamos fazer nada muito diferente. E aí entra o blockchain. Não vou colocar a solução como o Santo Graal da inovação. Mas poucas ferramentas cairiam tão bem no Brasil como ela. De forma resumida, blockchain é uma espécie de livro-razão para registros de transações. Um arquivo contábil. A diferença é que a tecnologia faz do registro desses dados algo descentralizado, público e universalizado. Por isso está intimamente ligado ao mudo das criptomoedas.

Espalhar soluções em blockchain pelos 5,7 mil municípios, 26 estados, Distrito Federal e pela União em seus mais diversos níveis derrubaria a patamares ridiculamente rasos o projeto nacional de desvio de dinheiro público. Licitações teriam todos os seus passos gravados e acessíveis universalmente. De certa forma, seria colocar em prática a frase creditada ao ex-juiz Louis Brandeis (1856-1941), da Suprema Corte americana, de que “a luz do Sol é o melhor dos desinfetantes”. É claro que um projeto desses não se faz num prazo curto. Poderia ser implementado na União, estados e capitais. Ou nas 50 cidades brasileiras com mais de 500 mil habitantes. Por lei federal. No prazo de uma geração se estancaria muito do dinheiro que escapa nas compras malandras da Fundeb, ou com tratores, pontes e estradas que ligam o Fim do Mundo ao vilarejo de Logo Depois.

É fato que entre os maiores defensores desse tipo de saída está gente do mercado blockchain. “Um governo digital baseado em blockchain pode proteger dados, simplificar processos e reduzir fraudes, desperdícios e abusos, ao mesmo tempo em que aumenta a confiança e a responsabilidade”, diz o texto da página de abertura do site da ConsenSys, uma das empresas líderes na tecnologia. “Essa estrutura elimina um único ponto de falha.” Para Joe Lubin, o fundador da empresa e cofundador da plataforma (e também criptomoeda) Ethereum, “temos uma oportunidade única de restaurar a confiança entre pessoas e instituições”.

Com práticas desse tipo e uso de Inteligência Artificial licitações deixariam transparentes compras intermunicipais para pregões equilibrados e licitações em que a melhor combinação de preço e qualidade fosse praticada com o dinheiro público. Assim como a gente tenta fazer dentro de casa: ter um bom produto ou serviço pelo preço justo e adequado ao nosso orçamento. Como por aqui os homens não conseguiram provar ser capazes de erguer algo com cara de Nação, em mais de cinco séculos de tentativas, penso que deve ser Lei deixar essas soluções para as inovações tecnológicas.