A Reforma Tributária com a aprovação na terça-feira (17) pelo Congresso Nacional do Projeto de Lei Complementar nº 68/2024, institui definitivamente os seus tributos, que são o imposto sobre bens e serviços (IBS), de titularidade dos estados e municípios, e a contribuição sobre bens e serviços (CBS), da União, além do imposto seletivo. Com a sanção presidencial, o texto finalmente assumirá a condição de lei complementar, como exigido pela emenda constitucional nº 132/2023, que definiu os princípios e competências da reforma.

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Analistas do “mercado”, surpreendentemente, seguem a fingir que não veem, mas esta é uma das reformas estruturais mais relevantes para o Brasil no cenário interno e internacional desde a entrada em vigor da Constituição de 1988. Esta conquista soma-se às demais reformas estruturais recentemente aprovadas, como o Marco Legal dos Seguros (Lei n° 15.040/2024), o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) (Lei n° 15.042/2024) e a nova Lei dos Concursos Públicos (Lei n° 14.965/2024).

A partir de 2027, com a eliminação do PIS e da Cofins, será cobrada a CBS, além do próprio imposto seletivo, o que significará um enorme salto qualitativo do sistema tributário. A cobrança, em regime de transição, do IBS só começará em 2029, ao longo de quatro anos, mas a extinção do ICMS será algo a ser profundamente celebrado.

Dentre os aprimoramentos promovidos pelo Senado e aprovados pela Câmara, tem-se a regulamentação do split payment, sistema eletrônico de arrecadação por meio do qual o IBS e a CBS serão destinados, automaticamente, no momento da transação financeira, aos entes federais titulares da arrecadação, na proporção das alíquotas incidentes “no destino” da CBS (União), bem como às dos IBS-estado e IBS-município. Nos demais casos, quando não couber o split payment, os valores serão destinados ao Comitê Gestor do IBS (para posterior repartição entre estados e municípios de destino) e à Receita Federal, mediante declaração e pagamento do contribuinte. Trata-se do nosso IVA digital, que será inovador e simplificador.

O regime de funcionamento do split payment foi mantido, com a adoção de ajustes para obrigar seu emprego por todos os prestadores de serviços de pagamento eletrônico, com a inclusão não apenas dos arranjos de pagamento, mas das instituições operadoras de sistemas de pagamento (art. 31, caput e §3°, PLP n° 68/2024).

No que se refere às medidas desonerativas, o texto final manteve a carne dentre os produtos com redução a zero das alíquotas do IBS e da CBS (cesta básica), conforme Anexo I do PLP n° 68/2024, e a devolução personalizada (cashback) para as pessoas físicas integrantes de famílias de baixa renda do Cadastro Único, de 100% da CBS e de 20% do IBS incidentes sobre a aquisição de gás de cozinha (botijão de até 13 kg), o fornecimento de energia elétrica e o abastecimento de água, esgoto e gás natural. O Senado fez a inclusão dos serviços de telecomunicações nesta sistemática (art. 118, inciso I), o que foi mantido pela Câmara.

A inclusão dos serviços de telecomunicações nesta sistemática deve, portanto, ser celebrada, pois amplia o escopo de aplicação deste método e reconhece a evidente essencialidade destes serviços e a relevância de sua universalização. Quanto ao Imposto Seletivo, o Senado adotou a acertada decisão, mantida no texto final, de afastar a sua incidência sobre a exportação de minérios, previsão evidentemente eivada de inconstitucionalidades graves. Digna de elogios, igualmente, é a inclusão dos serviços funerários, de cremação e de embalsamento, dentre os serviços de saúde submetidos à redução de 60% das alíquotas do IBS e da CBS (Anexo III).

Também acertou o Senado ao afastar a tributação pelo IBS e pela CBS dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) que liquidam antecipadamente recebíveis de arranjos de pagamento e são classificados como entidades e investimento (art. 219, § 6°), exceção prevista com relação aos FIDCs que liquidam antecipadamente recebíveis comerciais por desconto de títulos mercantis (art. 219, § 5°). Manter aquela exceção apenas na antecipação de determinados recebíveis, como proposto inicialmente pela Câmara, era claramente inconstitucional, pois incompatível com os princípios da isonomia, neutralidade e livre concorrência. Além de prejudicar os pequenos negócios, que conseguem melhores taxas com os FDICs, nas gestões de recebíveis de cartões de crédito, do que com os bancos.

Uma grande batalha, porém, travava-se nos bastidores. Estados pretendiam recriar o nefasto mecanismo de substituição tributária do ICMS no IBS/CBS e levaram a melhor no Senado. A Câmara dos Deputados, porém, que é a “casa do povo”, ao analisar as alterações promovidas pelo Senado Federal (“casa dos estados”), rejeitou a inclusão dos arts. 492 a 495, que tratavam da instituição do regime de substituição tributária para o IBS e a CBS, o que representaria considerável retrocesso. Inaceitável que uma técnica de tributação na origem pudesse ser empregada em tributos cobrados no destino, com créditos financeiros do estabelecimento. Venceram a simplicidade e a justiça tributária.

De fato, a tramitação de reformas estruturais não é tarefa fácil. Trata-se de uma conquista de toda a sociedade. Doravante, virá a discussão legislativa dos procedimentos (PLP 108/2024) e, a seguir, toda a regulamentação infralegal da Reforma Tributária, com sua agenda de transição, quando começaremos a colher os frutos deste esforço coletivo de reforma estrutural da tributação do consumo. Por ora, há bons motivos para celebrar o início de uma nova era da tributação do consumo no Brasil. Habemus IVA!