Diz o ditado popular que o cachimbo entorta a boca e não há dúvidas sobre a assertiva. Todos costumam se apegar a hábitos. Tome-se, no caso, a confortável desoneração que beneficiou 17 setores da economia sob a alegação de que a renúncia de impostos geraria mais postos de trabalho. Não gerou, custou uma fábula aos cofres públicos e deve seguir adiante, apesar de toda a situação de falta de recursos do Estado. A pressão ativa, lobby mesmo, dos beneficiados, contando com o prestimoso apoio de parlamentares ciosos em atender ao capital em tempos de eleição, deve garantir o cachimbo viciante no caso. O ministro Fernando Haddad, com números, análises e alertas sobre o buraco orçamentário fez das tripas coração para reverter o quadro. Insistiu na dramaticidade da perda de arrecadação. Em vão. Teve de voltar atrás. O presidente Lula chegou a apoiá-lo no início, mas os conchavos pesam mais e o czar da economia foi espremido. Senado e Câmara, conjuntamente, lideraram o clima de rebelião. Nada menos do que 15 bancadas ligadas a diferentes setores aderiram a dois manifestos exigindo a devolução da MP da reoneração. Revogar a medida inicialmente estabelecida é praticamente certo. Os signatários dos protestos representam frentes parlamentares que, somadas, ultrapassam em muito o quórum necessário para a aprovação de propostas de emendas constitucionais. Xeque-mate! Podem até reverter a Lei para garantir o agrado. Da agropecuária ao comércio, serviços e mineração, estão todos lá metidos nessa cruzada. É, por assim dizer, uma questão vencida dentro do Congresso. Os interessados insistem na alegação de risco à empregabilidade. Uma balela sem tamanho. No jogo de pressão, os congressistas foram capazes até de cancelar uma reunião de entendimento com Haddad. O diálogo ficou escasso. O ministro está construindo caminhos paralelos, atalhos que possam contemplar interesses de lado a lado. Não é tarefa nada fácil.

Sem a chancela direta do mandatário, ele perdeu condições de insistir na tese original. Nas circunstâncias postas, Haddad compreendeu a necessidade de refazer toda a proposta. Impor uma agenda não funcionou. Nos últimos dias, a revogação do trecho da MP sobre a desoneração passou a ser uma questão de tempo, com a publicação de um novo projeto de lei. Vencem, para variar, as elites do poder produtivo e a prática dos incentivos seguirá a pleno vapor. A desoneração representa menos impostos para quem produz, embora lamentavelmente isso não tenha tido um efeito tão direto nos preços de quem consome. Os dados oficiais estão aí para mostrar a incongruência. Com a derrota no ponto fundamental da proposta, Haddad se debruça agora sobre outras questões pendentes como a do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). O fatiamento de demandas é a estratégia para tentar salvar alguns pontos vitais rumo ao ajuste pretendido pela equipe econômica. A preocupação, como alegou o ministro, é a de não passar à sociedade como um todo uma imagem de que esse governo não está preocupado com a responsabilidade fiscal e com o equilíbrio das contas públicas. Rearrumar o fluxo tributário se tornou vital, ainda mais após o registro do recorde histórico no déficit ano passado. O ministro tentou atribuir parte da culpa pelo desempenho ruim divulgado à gestão anterior, que de fato pedalou nos gastos para tentar a reeleição. Porém o buraco está aí e precisa ser coberto. A manutenção integral da desoneração da folha para 17 setores poderá resultar em um impacto da ordem de R$ 16 bilhões em 2024. Não é pouca coisa. A estimativa é do próprio Ministério. No programa especial de retomada do setor de eventos calcula-se um valor na casa de outros R$ 16 bilhões. Assim, na soma, se espetam cerca de R$ 32 bilhões em despesas com esses benefícios. Para um País em dificuldades financeiras de caixa, significa um baita contrassenso. Mas vale o peso da influência e o contribuinte que pague a conta. O clima de animosidade entre os negociadores não contribui para um entendimento racional do quadro. Existe um aumento da artilharia contra Haddad e falta a ele munição suficiente para responder.