10/03/2023 - 21:34
(Reuters) – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou na noite desta sexta-feira em entrevista à CNN Brasil estar “preocupado” com o mercado de crédito brasileiro, e qualificou como “muito forte” a virada dos juros no Brasil.
De acordo com Haddad, a redução da taxa de juros pelo Banco Central estava “programada” para acontecer no início deste ano, o que acabou não ocorrendo.
Segundo ele, quando o governo soltou o primeiro pacote de medidas econômicas, a expectativa era de que contribuísse para a decisão do BC de baixar a taxa básica de juros Selic, atualmente em 13,75% ao ano.
Haddad afirmou ainda que não está preocupado com a relação entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do BC, Roberto Campos Neto. “Eu estou mais preocupado com o que está acontecendo no mercado de crédito”, afirmou.
“Tenho depoimento de muitas empresas sólidas de que, quando o juro estava a 2% (ao ano)… os empresários sólidos tomaram empréstimos a 6%, 6,5%. Hoje, estes mesmos empresários estão rolando a 20%”, disse.
Conforme o ministro, as medidas tomadas pelo governo de Jair Bolsonaro antes das eleições de 2022 fizeram com que o mercado começasse a cobrar taxas de juros cada vez maiores para rolar suas dívidas.
Haddad classificou ainda o crédito brasileiro como “muito ruim”. “Não temos sistema de crédito no país.”
Em outro momento, o ministro disse que tem mantido o diálogo com Campos Neto. Segundo ele, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, “tem conversado ainda mais”.
POLÍTICA FISCAL E MONETÁRIA
Haddad também tratou, durante a entrevista, da relação entre a política fiscal e a política monetária.
“Esta divisão entre política monetária e fiscal é uma forma de pensar a economia que, talvez, não consiga traduzir a complexidade deste organismo, que tem dois braços, o fiscal e monetário”, pontuou.
Haddad defendeu que se estabeleça uma “relação de confiança” entre o governo e o BC, para que eles possam caminhar na mesma direção.
Ao mesmo tempo, Haddad discutiu a condução da política monetária pelo BC.
“A Europa está mantendo as taxas de juros negativas ainda agora. A inflação na Europa caiu de 9,2% para 8,5% recentemente. E a Europa comemorou. Por que o BCE (Banco Central Europeu) não dá um choque de juros?” questionou Haddad. “Porque depois de praticar taxas de juros negativas por tanto tempo, qual será o impacto no mundo real?”, pontuou.
O ministro defendeu o combate à inflação, mas demonstrou preocupação com o nível dos juros.
“A minha preocupação, como ministro da Fazenda, é uma calibragem (da taxa de juros). Precisamos saber navegar em mares turbulentos.”
Sobre a falência do banco norte-americano SVB, ocorrida nesta sexta-feira, Haddad afirmou que o anúncio foi preocupante. “É preciso ver se aquilo é sistêmico.”
NOVO DIRETOR DO BC
Haddad aproveitou ainda a entrevista para discutir a autonomia do BC, aprovada durante o governo Bolsonaro. Em função da autonomia, Lula não pode trocar o presidente do BC em seus dois primeiros anos de governo.
“Após a autonomia do BC, o corpo técnico todo, da presidência para baixo, tinha que ter adotado uma postura de abstenção de política. Porque é assim que é no mundo”, disse.
Campos Neto tem enfrentado desgaste este ano com a administração do PT em função de notícia de que teria ido votar na eleição do ano passado com uma camisa da seleção brasileiro – um símbolo de identificação dos eleitores de Bolsonaro. Além disso, também fazia parte de um grupo de ministros do governo Bolsonaro no WhatsApp.
Haddad disse ainda que a adoção da autonomia do BC pode não ter vindo no momento ideal. “Talvez a gente tenha introduzido na legislação brasileira, no pior momento, essa passagem… Se isso fosse feito no governo Fernando Henrique, na passagem para o Lula…”, comentou.
Questionado a respeito do nome que ocupará a diretoria de Política Monetária do BC, cujo diretor, Bruno Serra, está de saída, Haddad disse ter levado ao presidente Lula –responsável pela escolha– três perfis profissionais: um mais acadêmico, um mais técnico e uma mais de mercado. “Qualquer um dos três que ele escolher vai levar uma contribuição para o BC”, disse, lembrando que nos primeiros governo de Lula os diretores escolhidos tinham perfis técnicos.
(Por Fabrício de Castro, em São Paulo, e Isabel Versiani, em Brasília)