É preciso criar as condições necessárias para que os juros não fiquem em um patamar elevado por muito tempo, e a atual trajetória de alta da dívida pública preocupa o governo, disse nesta sexta-feira o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

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“No que diz respeito à Fazenda, é trabalhar o fiscal estruturalmente”, disse ele em entrevista à CNN Brasil, quando questionado sobre como pretende tratar o endividamento público ascendente.

“Você tem que criar as condições também para que esses juros não fiquem nesse patamar por muito tempo”, acrescentou, em referência ao fato de o Tesouro estar adotando taxas mais elevadas em suas negociações de títulos públicos, para rolagem da dívida.

Não terá caça às bruxas com reforma tributária

Sobre a reforma tributária, o ministro declarou que ‘não haverá caça às bruxas’.

“Não tem caça às bruxas, não tem nada disso. Nós só queremos justiça e neutralidade”, disse.

O ministro se esquivou a comentar uma eventual taxação dos dividendos em se tratando da reforma tributária, mas disse que o governo mira uma ‘regra inteligente’, com retenção de imposto na fonte de forma global, contemplando investidores e alta renda.

“Estamos identificando esses casos, é uma quantidade pequena de brasileiros, mas é o suficiente para que quem ganha pouco deixe de pagar, buscando a justiça tributária”, disse, acenando para a proposta do Governo Lula de isentar quem ganha até R$ 5 mil mensais de pagar Imposto de Renda.

Lula sancionou PLC da reforma nesta semana

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 68/2024, texto que regulamenta a reforma tributária sobre consumo, nesta quinta-feira, 16.

As principais mudanças são a reorganização dos impostos sobre o consumo. No lugar dos cinco tributos atuais, haverá um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de “natureza dual”, com uma parte administrada pela União e outra pelos estados e municípios.

A regulamentação também definiu pontos como os produtos da cesta básica com alíquota zero, os setores da economia com isenção ou alíquota reduzida, os produtos com Imposto Seletivo (cobrado sobre bens que prejudicam a saúde e o meio ambiente), o chamado “Imposto do Pecado” e a abrangência do cashback (devolução de impostos aos mais pobres).

“Os benefícios da política tributária, do ponto de vista do atendimento da sociedade, começará de verdade em 2027, quando ela vai começar a valer. Esse tempo é para preparar a sociedade brasileira, os empresários e os investidores a se adequarem à nova ordem tributária desse país”, disse Lula.

Trajetória da dívida é uma preocupação da Fazenda, diz Haddad

Durante a entrevista, Haddad reforçou que há preocupações sobre a trajetória da dívida pública, mas ‘fez considerações sobre projeções que não se concretizam’ – citando um crescimento econômico de quase 7% em dois anos, ante projeções de 2%.

“O déficit do ano passado, de 0,1%, estava previsto em 0,8% no início do ano, antes do Rio Grande do Sul”.

Além disso, voltou a citar privilégios tributários que foram mantidos e prejudicaram o resultado primário, segundo ele.

“Nós estamos contendo a despesa, inclusive com medidas recém aprovadas pelo congresso, e combatendo gasto tributário. Eu sei que incomoda quando falo isso, mas tenho que falar. Se as MPs do ano passado não tivesse sido devolvidas, teríamos superávit em 2024, o primeiro estrutural, em mais de 10 anos. O Congresso não fez desfeita, o Congresso também ajudou muito, mas o resultado poderia ter sido melhor se tivéssemos acabado com alguns privilégios”, pontuou.

“Eu disse para muitos empresários, se vocês não voltarem a pagar impostos devidos, vão pagar mais juro – que foi o que ocorreu”.

‘Não estamos pedindo para ninguém dizer que está tudo bem’

“Eu não estou pedindo para ninguém dizer que tá tudo bem. Não está [bem] no mundo. Nos EUA tem juros em patamares preocupantes”, disse Haddad sobre a situação fiscal do Brasil.

O ministro disse que gostaria de que o mercado desse um maior reconhecimento sobre melhora de indicadores econômicos em um passado recente.

“Estamos pedindo para reconhecer que o país tá crescendo, o fiscal melhorou, acima do esperado, estamos com menos desigualdade”.

‘Não dava para prever cenário’

Ministro da Fazenda também teceu comentários sobre a mudança acerca do cenário macroeconômico global – com a posse de Trump, que ocorre nesta semana.

“Ninguém previa o que está acontecendo agora, de aumento de tarifa de importação nos EUA, e até de déficit fiscal, que pode manter os juros mais altos por mais tempo. Esse cenário não estava colocando, durante todo o G20, nenhum analista previa isso”.

Com isso, o ministro disse que é necessário ‘voltar para a linha, observar o que está acontecendo’ e mirar um ajuste que penalize menos quem precisa mais de serviços públicos.

Orçamento

Sobre o orçamento, Haddad disse que o que foi aprovado em 2024 permite uma ‘contenção bastante razoável’, e que agora cabe ao governo executar o que o Congresso autorizou, adequando a peça orçamentária ao que foi aprovado.

“A proposta orçamentaria mira 2,5% para este ano. Proponho o arrefecimento, justamente para calibrar o crescimento com a potencialidade de curto prazo do país. Investimentos não estão crescendo quanto gostaríamos, e também temos o tempo de maturação”.

Haddad diz que ‘acredita no efeito da política monetária’

Sobre o contexto macroeconômico, o ministro novamente se opôs às teses de que o Brasil ostenta um descontrole fiscal.

“Eu não acredito em dominância fiscal, esse diagnóstico eu não concordo. Eles [mercado financeiro] erraram tanto, posso errar uma vez. Eu acredito que a política monetária vai fazer efeito sobre inflação. Tem gente no mercado que diz que não fará. Veremos nos próximos capítulos se a política monetária fará efeito”.

‘Eu não compraria dólar a R$ 6’

Sobre o câmbio, o ministro disse que ‘não compraria dólar a R$ 6‘.

“O câmbio não é fixo no Brasil. O patamar que o dólar se estabiliza depende de variáveis que não controlamos, sendo uma delas o juro externo. Também tem fatores geopolíticos e uma série de coisas que afetam o preço do dólar”, disse.

“Hoje eu compraria dólar a R$ 6? Não. Eu não compraria acima de R$ 5,70. Qualquer coisa acima de R$ 5,70 é caro, com os fundamentos da economia de hoje”, completou.

Haddad disse que olha para as moedas ao redor do mundo no seu dia a dia e com isso, arrisca um ‘palpite’, mas disse que não sabe para onde as coisas vão. “Parte das coisas depende do doméstico, parte não”.

Além disso, disse que não imaginava que o câmbio fosse ir a R$ 5,70, como ocorreu em 2023, após ele assumir o ministério da Fazenda – relembrando a pressão baixista do dólar no início do Governo.