DINHEIRO ? Há compromisso formal por parte das montadoras de não aumentar o preço dos produtos durante a vigência do acordo?
RICARDO CARVALHO ? Não. O único compromisso formal, assumido também pelo Sindipeças, é de repassar para o consumidor 100% da redução do imposto. O segundo compromisso foi a manutenção de empregos até 30 de novembro, quando termina o acordo. Ficam fora disso, os PDVs (programas de demissões voluntárias) e alguns contratos temporários.

DINHEIRO ? Em acordos anteriores, as montadoras conquistaram incentivos e mesmo assim aumentaram preços. Não é uma incoerência, já que a sociedade perde duas vezes, uma com a arrecadação menor e outra com o aumento de preços?
CARVALHO ? Esse setor carrega uma carga tributária extremamente elevada, em torno de 38%. Então estávamos em uma situação em que a queda do mercado refletia em uma imensa queda da arrecadação. Essa queda do IPI vai provocar a recuperação da arrecadação, e isso infelizmente será por tempo determinado, porque para nós seria ótimo se esse acordo não chegasse ao fim. É um excelente período para comprar carro graças à redução do imposto e às promoções das revendas. Jamais falamos em controle de preços. Tomara não precisarmos aumentar o preço durante esse acordo. O preço da matéria-prima (aço, plástico e borracha) nos onera bastante e não há como evitar o repasse desse aumento ao consumidor. O aço, por exemplo, subiu 57% nos últimos 18 meses. A borracha, 40%, enquanto os plásticos, 36%.

DINHEIRO ? Existe uma garantia que o nível de emprego possa ser mantido? O sr. falou em PDV, mas esses programas são induzidos, pois as empresas indicam os funcionários a aderir….
CARVALHO ? O nível de emprego será mantido e engloba fornecedores, as montadoras e as distribuidoras. Há um equívoco quando falam que a demissão voluntária é algo induzido. Ela é uma proposta aberta de saída voluntária e tem um benefício em troca e o prazo também é determinado. Não nos consta que existe algum tipo de pressão para que o funcionário saia.

DINHEIRO ? Esse acordo vai resolver a situação do setor?
CARVALHO ? O setor automotivo é ligado diretamente à macroeconomia, e nós trabalhamos com um bem de alto valor. A evolução do governo Lula, a preocupação com o controle da inflação e a reforma da Previdência começam a dar credibilidade ao País e trarão uma condição melhor. Como eu disse, o acordo é uma ponte para uma situação de mercado melhor.

DINHEIRO ? O que resolveria de vez os problemas do setor?
CARVALHO ? O setor precisa trabalhar aspectos estruturais. Nós temos hoje uma capacidade para produzir 3,2 milhões de veículos e uma ociosidade de 45%. Precisamos melhores condições na área de financiamento, ou seja, é necessário uma diminuição de juros até chegarem a um patamar inferior a 20%. Mais de 70% das vendas do setor são feitas através de financiamento. A tendência de queda dos juros e a redução do limite do depósito compulsório irrigam o mercado e permitem mais acesso ao crédito.

DINHEIRO ? E se a situação de mercado permanecer assim?
CARVALHO ? O setor tem resistido, bravamente, a tudo. As empresas têm armas como férias coletivas, elas trabalham com licença, elas fazem de tudo para se manter no patamar. Mas se uma situação mais grave trouxer uma queda mais forte vamos ter que repensar.

DINHEIRO ? O que significa repensar no caso das montadoras?
CARVALHO ? Nos últimos anos, as montadoras investiram mais de US$ 20 bilhões e transformaram o parque industrial brasileiro do setor em um dos mais modernos do mundo. Então a modernidade desta indústria está resgatada. Se nós não recuperarmos uma situação que permita mantê-la atualizada, teremos maior problema no futuro certamente. Como essa tecnologia se renova com muita velocidade no mundo inteiro, se o País não se preocupar com a renovação permanente de sua indústria nós voltaremos ao tempo das carroças. Esse é o grande debate que deverá acontecer no fórum da competitividade. Lá, vamos levantar a discussão sobre a enorme carga tributária que o setor tem, as questões trabalhistas, a desoneração de importações, a necessidade de melhorias na infra-estrutura. Observe o caso do Porto de Santos. Caso haja um aumento no volume de exportações, ele já não atende a demanda.

DINHEIRO ? O presidente da GM, Walter Wieland, falou na possibilidade de montadoras deixarem o País. Essa possibilidade existe?
CARVALHO ? Nós não temos aqui na Anfavea nenhum tipo de sinalização nessa linha. Pelo contrário, as empresas querem recuperar os investimentos que foram feitos aqui. Elas querem seguir uma linha de crescimento, pois fizeram uma aposta no País e a idéia é dar continuidade. É bom lembrar que o pronunciamento foi feito no período que antecedeu ao acordo que nós firmamos com o governo na semana passada. Nós estamos otimistas com o acordo. Ele nos dará um fôlego, e acreditamos que, mesmo após o término, teremos um mercado mais receptivo, especialmente em função da queda de juros.

DINHEIRO ? O País inteiro está em uma situação de crise. Então por que o governo oferece ajuda ao setor automotivo?
CARVALHO ? Quando se fala do setor automotivo, só lembram das montadoras. De fato, ela é uma grande concentradora de recolhimento de impostos. A montadora, hoje, concentra todo o IPI da cadeia, concentra todo o PIS e o Cofins, ou seja, ela é uma grande vantagem para o governo porque tem uma estrutura organizada que carrega todos os impostos da cadeia em termos de recolhimento. O ?benefício? veio porque a carga tributária é muito alta e foi concedido para uma cadeia inteira, e não só para as montadoras. No entorno delas, funciona um parque de autopeças, revendedoras e serviços. Nós geramos cerca de 1,3 milhão de empregos. Essa é uma cadeia interessante para o governo porque gera benefícios para ele. Estamos falando de uma indústria que gera uma arrecadação equivalente a 11% do PIB. Se o governo quer manter essa indústria ativa, exportando, atualizada, é razoável que haja uma ajuda.

DINHEIRO ? Qual será o impacto desse acordo para as montadoras?
CARVALHO ? Foi um acordo emergencial. A indústria estava chegando no limite,
com a queda das vendas e o mercado estagnado. Essa medida vai servir como uma ponte até um cenário de melhoria das vendas. A queda de três pontos porcentuais do IPI também foi necessária porque foram criadas muitas expectativas em relação a um possível acordo e isso estava gerando uma cautela excessiva do consumidor. Ele estava esperando o acordo para comprar. Esse acordo vem em uma boa hora, pois dará condições para que as indústrias alcancem um patamar melhor até o final do ano.

DINHEIRO ? Quantos veículos deixaram de ser vendidos com a cautela do consumidor?
CARVALHO ? Nós tínhamos uma projeção inicial de vendas em torno de 1,5 milhão de unidades e agora essa projeção foi revista para baixo, em torno de 1,4 milhão. Mas estamos pensando em fazer uma nova revisão e a estimativa será menor. É difícil imaginar que, com esse acordo, tenhamos uma recuperação de 100 mil carros, por exemplo. Mas para ter uma avaliação mais precisa, estamos esperando para ver o comportamento do consumidor no mês de agosto.

DINHEIRO ? No período que antecedeu ao acordo, houve outras propostas como a da criação do carro do trabalhador. Como o
setor avalia isso?
CARVALHO ? Em primeiro lugar, a melhor definição que ouvi sobre carro popular foi a do presidente Lula. Ele disse que ?carro popular é o carro que vende mais?. São propostas de médio prazo de implementação, cerca de 36 meses, um tempo de maturação longo que não atendia à situação de emergência que estávamos passando. Isso implica também investimentos e hoje ninguém vai fazer investimentos em cima de um carro especial. Depois de cinco anos no vermelho, não há como investir em um carro especial. Se somarmos todas as marcas, o Brasil tem mais de 500 modelos. Hoje é importante ter um equilíbrio na variedade de carros montados, e nós temos isso.

DINHEIRO ? A exportação seria uma saída para o setor?
CARVALHO ? É um dos pontos fortes da indústria automotiva. Nós temos um acordo com o Chile, mais voltado para caminhões e ônibus. Temos também um acordo muito importante com o México. Mas são muito poucos acordos internacionais e nós precisamos de mais. O esforço para exportar é basicamente do setor privado, de procurar novos mercados. O ministro Furlan vem dando muita ênfase a esse trabalho. Nós exportamos cerca de 15% da nossa produção, mas não podemos achar que a exportação substitui o mercado interno. A exportação é importante e existe uma previsão de crescimento em torno de 20% este ano, mas a escala está em mercado interno. A exportação é um elemento importante da nossa base, mas a nossa base está toda concentrada no mercado interno.

DINHEIRO ? Existe algum acordo internacional sendo efetivado?
CARVALHO ? Sim, há negociações com a África do Sul e o Leste Europeu. Nós estamos também trabalhando com a China. Com
a União Européia, temos a expectativa de conclusão de um acordo até o final de 2004. O Brasil tem chance de disputar o mercado mundial, e vai fazê-lo.

DINHEIRO ? Como o setor avalia a reforma tributária?
CARVALHO ? Eu rezo para que baixem a carga tributária. Mas nós tememos que essa reforma possa acarretar algum tipo de aumento para o setor. Nós já fizemos o máximo que podíamos para simplificar a nossa vida. Mas o receio é de que a reforma está sendo discutida em época de mercado retraído e de queda de arrecadação. A tendência, então, é buscar o aumento de arrecadação. Mas se essa reforma vir para um plano que esteja focado no desenvolvimento, será ótimo. E aí estamos falando em simplificação dos processos e não só a redução dos custos, do término dos efeitos-cascata. O governo Lula tem condições de enfrentar a reforma, mas se ela se tornar uma forma de aumentar a arrecadação será nefasta.