Ao longo de seus 102 anos, a Harley-Davidson deve muito a quatro artistas: Peter Fonda, Dennis Hopper, Jack Nicholson e Ronald Reagan. Os três primeiros por emoldurarem o clássico ?Sem Destino? Easy Rider, de 1969, filme que referendou o estilo de vida libertário a toda uma geração de jovens americanos. O longa-metragem elevou a marca de motos ao estágio de mito. Quanto a Reagan, a mãozinha não surgiu de seu trabalho como ator. Mas presidente. Ele salvou a empresa da falência em 1981, alegando que se tratava de ?um patrimônio americano?. Criou uma lei que sobretaxava as adversárias japonesas ? sob a falsa justificativa de dumping ? para gerar uma reserva de mercado em favor da Harley. É bem verdade que a marca teve méritos, dali em diante, para retomar a saúde financeira. Ela notou que os espectadores de Easy Rider, àquela altura, eram homens maduros, na faixa dos 40, não tinham se esquecido da mensagem do filme e haviam ascendido financeiramente. Nenhuma marca de carro ou moto soube explorar tão bem essa estratégia: resgatar sonhos de juventude e transformá-los em fontes de receita. A marca colhe os frutos da lenda até hoje, inclusive porque suas motos, em um embate tecnológico com as japonesas, continuam devendo pontos. No balanço de 2004, 20% do faturamento total (US$ 5 bilhões) foi proveniente de acessórios de personalização. Se forem acrescidos os royalties obtidos com produtos da grife, como camisetas, isqueiros e quinquilharias que levam seu nome, a receita passa de 50%. Isto é: a Harley-Davidson ganha mais dinheiro com o mito do que com as motos.

No Brasil desde 1993, através do grupo Izzo, ela não conseguiu repetir o caminho da fama na comercialização dos artigos licenciados. Mas vem trilhando uma trajetória invejável. ?Devemos dobrar as vendas neste ano?, anuncia Paulo Izzo, diretor geral da importadora, referindo-se à previsão de 2.000 motos em 2005 ante as 950 vendidas no ano passado. Dos R$ 105 milhões faturados em 2004, cerca de 15% vieram da ?lojinha?. Para a diretora de marketing Luciana Izzo, a tendência é ampliar essa participação. A grife americana possui cerca de sete mil itens, mas a importadora brasileira incorpora mil deles. Faz planos de ampliar o leque, mas, paralelamente, tem enfatizado a nacionalização. ?Temos 80% dos itens fabricados no Brasil, o que nos deixa livres do dólar?, explica Luciana. Um camiseta Harley custa R$ 35.

De acordo com Paulo Izzo, esses produtos são divididos em quatro conjuntos: funcionais (equipamentos para uso do motociclista, caso de jaqueta de couro e capacete), core (artigos tradicionais, como camiseta preta com logo Harley), fashion (tendências da moda) e collectors (mimos como brinquedos, isqueiros, xícaras…). ?A fidelização do cliente é tão profunda que a Harley calcula que cada proprietário fiel gasta 2,5 vezes o valor da moto com acessórios, butique e viagens temáticas?, explica Izzo, citando que o tradicional modelo Fat Boy, que lá sai por US$ 16,4 mil, pode gerar até outros US$ 41 mil de ?investimentos? em artigos da grife. Só que isso acontece nos EUA, em que o ?estilo de vida Harley? é bem difundido. De olho nessa conta, o empresário brasileiro não está dormindo em serviço. Abriu uma concessionária em São Paulo que recebe o cliente em um centro de entretenimento Harley-Davidson. Promove encontros, passeios e tem diversos artigos à venda. ?Aprofundar relações com os consumidores é o maior patrimônio da Harley-Davidson?, resume Luciana Izzo.