O executivo brasileiro de origem libanesa Carlos Ghosn comanda as operações de três montadoras globais, a francesa Renault, a japonesa Nissan e a russa AvtoVaz, que possuem vendas anuais conjuntas de US$ 140 bilhões e uma participação de 10% do mercado mundial. Para a Nissan, em especial, o executivo previu, no começo desta década, grandes investimentos no Brasil. Sua fábrica local, que recebeu investimentos de US$ 2,6 bilhões, passou a operar no primeiro semestre de 2014, em Resende (RJ), estimulando metas agressivas de ganhos de participação no mercado brasileiro. No curto prazo, isso não ocorreu, pois, ao contrário do que esperava a direção do grupo, o desempenho do setor automotivo não ajudou no ano passado. Mesmo assim, Ghosn acredita que as metas estipuladas para 2016 serão atingidas. “Seremos a maior montadora japonesa no Brasil”, disse em encontro com jornalistas na sede brasileira da Nissan, no centro do Rio de Janeiro, na terça-feira 6. Ghosn, na ocasião, anunciou a produção local de um motor 1.0 de três cilindros, que equipará o New Versa, o sedã compacto que deve chegar ao mercado ainda no primeiro trimestre. Isso significaria ultrapassar a Toyota, a sétima colocada do mercado e que registrou 6,2% dos emplacamentos de dezembro.

O desempenho do mercado automotivo brasileiro tem sido insatisfatório?
Estou decepcionado com o nível do mercado em 2014, mas continuamos investindo. Estamos enfrentando uma situação difícil, com um declínio de 7% das vendas do setor no ano passado. É, realmente, uma decepção. Pela forma como a economia estava se comportando, não havia uma razão para o declínio dos últimos dois anos. O Brasil tem, atualmente, 175 carros por mil habitantes. Em Portugal, há 500 carros. A Rússia tem 300. Isso mostra que no Brasil ainda há um grande potencial de motorização. A indústria está investindo porque acredita que esse potencial vai acontecer.

Quais são as suas expectativas em relação ao governo atual?
O governo vai ter ação. A nova equipe econômica, a priori, é muito positiva. Mas precisamos ver o que vai ser feito, e os resultados disso. Mas milagre, a curto prazo, é impossível. As consequências das boas ações não são positivas em curto prazo.

O que espera para 2015 e 2016?
O melhor que podemos ter em 2015 é um mercado estável, sem expansão ou queda de vendas. O mais provável é que o mercado vai cair, mas tudo vai depender das decisões tomadas pelo governo, de como elas vão ser seguidas, e se haverá alguma medida de apoio ao consumidor. Não tenho nenhuma dúvida do potencial do Brasil. Estou mais otimista para 2016, acreditando que o governo vai tomar decisões boas. Mas não deverá haver crescimento até lá.

Com essas expectativas mais modestas em comparação com o período em que a Nissan anunciou os seus investimentos, em 2011, será necessária uma revisão dos planos?
Não tiramos nada dos investimentos programados. Não estamos cortando ou atrasando nada. O montante previsto de R$ 2,6 bilhões para a instalação da fábrica em Resende está sendo gasto. Isso inclui o início da operação, além da produção local de motores. Agora estamos anunciando a fabricação do motor 1.0 de três cilindros.

Também está mantida a meta agressiva de ganho de participação de mercado?
Não estamos satisfeitos com a participação atual da Nissan, de 2,4% do mercado brasileiro. Nem com a de 5%, que é a meta para o fim de 2016. Queremos chegar a um nível bem acima disso. Queremos estar entre as três primeiras montadoras da América Latina, e sermos a maior fabricante japonesa no Brasil. Atualmente, a maior japonesa (a Toyota, NR) tem aqui por volta de 6,5% de participação. Vamos precisar investir bem mais para chegar lá. Para nós, a participação de mercado só pode crescer, com todos os produtos que vamos introduzir no Brasil. Mas é preciso lembrar que é possível diminuir o volume de vendas, mesmo enquanto a participação de mercado aumenta. Para evitar isso, precisamos saber como se comportará o mercado, o que é difícil, já que o novo governo assumiu há apenas alguns dias.

Dessa forma, a meta de negócios da Nissan está diretamente ligada ao lançamento de novos modelos nos próximos meses?
Para chegarmos a 3% de participação, em 2015, já temos o March, além do Sentra, que é importado. Mas não vamos ficar só com eles, para atingir 5% de mercado antes que nosso ano fiscal de 2017 se inicie. Ainda haverá, em 2016, o lançamento do Versa e de outros carros, que vamos anunciar depois.

E como o mercado global vai se comportar?
Haverá crescimento, em 2015. Será um outro ano de recorde de vendas. Muitos mercados continuam a crescer, os Estados Unidos, em especial. A China, que é o país líder de vendas, também. Outras áreas de expansão são o Oriente Médio e a África. Há ainda expectativas de crescimento para o mercado europeu, mesmo que haja temores em relação ao seu comportamento, em 2015. Na recuperação do mercado europeu ainda haverá volatilidade, mas não acredito num novo drama. O mercado automotivo dos EUA já superou o nível em que se encontrava antes da quebra do Lehman Brothers. A Europa ainda está 20% abaixo. Haverá poucos mercados fracos em 2015, como é o caso da Rússia, do Japão e talvez do Brasil. A Rússia, onde operamos com a AvtoVaz, será muito difícil. Não apostamos em recuperação lá neste ano.

As demissões recentes da Volkswagen indicam mais problemas para o Brasil? A Nissan pode seguir esse caminho?
Existe uma grande diferença entre algumas montadoras e outras. Há as estabelecidas e as desafiantes, como nós somos. Estamos bem abaixo do nosso potencial. Temos 2,5% de mercado aqui, e 6,5% no mundo. Os layoffs que fizemos em Resende foram medidas de curto prazo. Os trabalhadores foram afastados temporariamente em setembro e voltaram ao trabalho no começo deste ano, para iniciar a produção do novo motor e do New Versa.

E pode haver demissões na Renault?
Não há planos. Não sei quanto às possibilidades de que isso aconteça. Depende da política econômica.

Quais são os impactos da recente desvalorização do real?
A desvalorização da moeda faz os nossos objetivos já estabelecidos se tornarem mais imperativos. A fraqueza do real cria uma corrida, por parte das montadoras, para a produção local de mais partes utilizadas na montagem dos seus automóveis. Isso acontece porque o componente que está chegando comprado em dólares, euros e ienes ficou mais caro. A fábrica da Nissan, em Resende, começou a sua produção com 60% de nacionalização do automóvel e pretende chegar a 80% no próximo ano.