12/04/2020 - 16:10
Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute
Essa é uma crise humanitária que deixa em evidência que saúde e proteção social são bens públicos. A gente já vê nos Estados Unidos, e em breve vamos ver no Brasil, que a população de mais baixa renda é a que está sofrendo mais com a falta de acesso à saúde e com as consequências da crise econômica. Isso, aqui nos EUA, é mais extremado por ser um país onde o sistema de saúde é privado e rede de proteção social não existe.
Mas em países como o Brasil, onde a população vulnerável é muito numerosa, vai haver uma catástrofe. Vão ser muitas vidas perdidas. Não vejo possibilidade de as políticas públicas não se moldarem depois dessa crise em torno desses dois temas. Proteção social e saúde terão de ser abraçados, e eles só podem ser abraçados pelos governos.
A questão do Estado e do tamanho dele vão acabar indo nessa linha. Dentro disso, vai acabar entrando também a questão ambiental, porque é outro bem público.
A forma como se vê a questão fiscal dos países também vai mudar, porque, quando a crise acabar, todos estarão com os balanços do setor público desajustados. Não vai poder se fazer um ajuste fiscal forte porque, se fizer, você interrompe o processo de recuperação, que vai ser muito lento.
Haverá uma reconfiguração política e econômica grande. Vínhamos num rumo antes, mas mudamos. Para o Brasil, o coronavírus também foi uma bifurcação, só não parece que foi porque o governo permanece o mesmo. Bem ou mal, o restante do governo Bolsonaro vai ser de gestão de crise. Ele não vai ter espaço para outra coisa. E o que vem depois dessa crise, necessariamente, vai ter de ser um discurso político pragmático e com foco no papel do Estado como provedor desses bens públicos, algo que esse governo nunca teve, porque não era a linha adotada. Esse caminho do Estado minimalista foi não só interrompido, mas jogado às traças pela epidemia e ele não volta. Isso não significa necessariamente o abandono de reformas, mas, sim, um redesenho de algumas reformas e uma preocupação maior com as questões sociais. Vai haver um aumento de impostos, até para custear os bens públicos. É uma mudança de eixo político, como a gente teve no pós-guerra, quando passamos do nacionalismo para o multilateralismo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.