A multidão reunida no centro de Atenas para protestar contra a visita relâmpago da chanceler alemã, Angela Merkel, na terça-feira 9, abre caminho para um grupo de manifestantes que se aproxima da Praça Syndagma, sob gritos de apoio. São homens num jipe cinza, usando bigodes e uniformes militares. Carregam imensas bandeiras vermelhas e brancas com a suástica nazista e imitam a saudação hitlerista, enquanto o jipe abre caminho na direção do prédio do Parlamento. Desesperados com a recessão, que entra no seu sexto ano, e com a taxa de desemprego de 25%, os gregos reeditam antigos ressentimentos para responsabilizar a maior economia da União Europeia pela situação. 

 

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Atenas, terça-feira 9: manifestantes com uniformes nazistas evocam o fantasma de Hitler

durante encontro da líder alemã com o premiê grego, Antonis Samaras

 

“A Alemanha já provocou duas guerras mundiais e está tentando criar a terceira”, diz à DINHEIRO a ex-comerciante Constantina Lopathioti, 52 anos, que carregava um cartaz caracterizando Merkel e políticos gregos como oficiais nazistas. Sua loja fechou e o salário do marido foi reduzido, cortando o orçamento que sustenta os três filhos adolescentes. “Essas políticas vão nos transformar em escravos”, afirma. Em entrevista a um jornal alemão, o primeiro-ministro da Grécia, Antonis Samaras, disse que a dramática situação grega hoje lembra a da República de Weimar na Alemanha, que possibilitou a ascensão de Hitler. 

 

A primeira visita de Merkel à Grécia desde o início da crise durou apenas cinco horas, sob a proteção do maior aparato policial em mais de uma década: cerca de sete mil policiais, incluindo tropas de choque e atiradores de elite. Ignorando a proibição de manifestações, 30 mil pessoas atenderam ao chamado dos sindicatos e partidos de oposição para protestar. Saudada por Samaras como uma “amiga da Grécia”, a chanceler alemã procurou suavizar o discurso linha dura adotado até agora. Em vez de focar apenas na necessidade de cortar gastos, a chanceler alemã disse querer que o país permaneça na zona do euro. “O caminho da Grécia é difícil, mas levará ao sucesso”, afirmou Merkel. 

 

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A população dá sinais de que está no limite do sacrifício que pode oferecer. A economia deve encolher 6,5% em 2012 e acumular perda de 15% em quatro anos. Até nas regiões afluentes da capital grega, o que mais se veem são imóveis vazios disponíveis para locação. Muitos já começam a se deteriorar. Na Praça Syndagma, uma bióloga de 37 anos que porta um cartaz contra o “imperialismo alemão” e se recusa a dar o nome diz ter perdido o emprego num laboratório de análise há mais de um ano. Não paga o aluguel há três meses, e diz que o dono do imóvel até agora tem sido compreensivo. “Faço trabalhos esporádicos para arrumar € 8 ou € 10 por dia e garantir pelo menos a comida e eletricidade.” 

 

Quem tem a sorte de manter o emprego ou recebe aposentadoria tem que se virar com salários menores. As últimas medidas de austeridade cortaram em até 45% salários de servidores públicos e benefícios de aposentados. O bombeiro Kostas Avramidis, 42 anos, ganha € 1.000 por mês desde o último corte de salários, quando perdeu € 500. A mulher, que também trabalha na corporação, recebe € 700. Avramidis saiu com um grupo de bombeiros de Thessaloniki, segunda maior cidade da Grécia, para protestar em Atenas. Ele não espera nenhum resultado da visita de Merkel ou de chefes de Estado estrangeiros ao país. “Ninguém fora da Grécia consegue entender o que temos passado nos últimos três anos.” 

 

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A Grécia entrou num círculo vicioso, em que a desaceleração econômica reduz a arrecadação tributária e eleva a relação entre a dívida e o PIB. Isso exige novos ajustes, que afetam a economia, e o ciclo se repete. Agora, está em negociação uma nova tranche de € 40,8 bilhões do segundo pacote de ajuda desde 2010 – o desembolso total pode chegar a € 240 bilhões. Sem essa parcela, o dinheiro do governo grego acaba em novembro. A “troika”(Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) exige cortes de € 14 bilhões do orçamento. Ciente dos riscos políticos de pressionar por mais cortes radicais de gastos neste cenário, Merkel acenou com uma postura mais flexível para preservar o governo do primeiro-ministro Samaras. 

 

“Quero que a Grécia continue na zona do euro.” Na praça em frente ao Parlamento, a tensão era palpável, embora a manifestação fosse primordialmente pacífica. A maior parte das lojas baixou as portas por volta de uma da tarde. Manifestantes que tentaram romper o cordão policial ou jogaram pedras nos policiais foram afastados com gás lacrimogêneo. Cerca de 100 foram presos. Muita gente usava máscaras contra gás ou improvisava com lenços sobre a boca e o nariz. A professora Flora Vraniko, 52 anos, estremeceu ao ouvir o barulho de uma bomba do outro lado da praça. “Ninguém aguenta mais cortes”, diz. Seu salário caiu 35% e o marido, que é artista plástico, não vende um quadro há mais de um ano. 

 

Também atenta à movimentação da tropa de choque, a engenheira Lilian Anastasopoulos, também de 52 anos, preocupa-se com o futuro dos dois filhos, de 13 e 15 anos. “Eu gostaria que eles estudassem e aproveitassem a vida, mas não vejo essa perspectiva hoje na Grécia”, afirma. Com desemprego acima de 50% entre os jovens, Lilian teme que isso só seja possível se eles deixarem o país. Perguntados sobre os bilhões em empréstimos desperdiçados pela Grécia nos últimos anos, todos dizem que o dinheiro não chegou à população. Concordam que houve corrupção, mas com o incentivo, acreditam, de multinacionais alemãs e francesas. “Não podemos pagar por algo que não recebemos”, afirma a professora Flora.

 

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Enviada especial a Atenas