01/04/2022 - 8:45
Quando Helga Pirogova chegou à reunião de vereadores da cidade russa de Novosibirsk em 16 de março, vestia uma camisa azul e uma coroa de flores amarelas na cabeça. As cores da bandeira ucraniana.
Com a repressão a todo vapor aos críticos do Kremlin, sua indumentária não passou despercebida na Rússia.
“Por que está usando uma coroa de flores na cabeça? Isso traz azar”, disse-lhe Serguei Bondarenko, um deputado local do partido Rússia Unida de Vladimir Putin.
Mas Pirogova, de 33 anos, não se deixa assustar. “Foi a minha maneira de me expressar, de dizer, sem palavras, o que penso desta situação”, explica à AFP esta jovem de grandes olhos verdes.
Denunciar a ofensiva na Ucrânia de forma muito explícita pode levar à prisão. O poder russo reforçou sua legislação contra a publicação de “informações falsas” sobre o exército ou qualquer ação que o desacredite.
“Eu não apoio nenhum conflito e isso é uma grande tragédia para o mundo inteiro”, diz Pirogova, que tem formação como pedagoga e experiência em marketing.
Desde 2020, é vereadora independente em Novosibirsk, uma grande cidade industrial da Sibéria.
E é uma das últimas opositoras russas ainda ativas. Os outros fugiram do país por medo de serem perseguidos ou presos, como Alexei Navalny, que está preso há mais de um ano.
Ao ser eleita vereadora, Helga Pirogova fazia parte de uma coalizão que reunia aliados de Navalny e candidatos independentes que – como fato excepcional – tinham o direito de se candidatar.
Um deles, Serguei Boiko, chefe da sede regional de Navalny, foi eleito, para surpresa geral, junto com Pirogova.
Mas a euforia durou pouco. Em janeiro de 2021, Navalny foi preso ao retornar à Rússia após se recuperar de um envenenamento na Alemanha. Em junho, suas organizações foram banidas por “extremismo” e a maioria de seus apoiadores fugiu do país. Em dezembro, Serguei Boyko também seguiu o caminho do exílio.
– “Meu país é pacífico” –
Em apenas um ano, Pigorova viu se apagarem as últimas luzes de algum tipo de “liberdade política” na Rússia.
“O sistema político agora é tão opressivo e a repressão explodiu de tal forma que as pessoas não apenas têm medo de dizer o nome de Navalny, mas também é proibido usar certas palavras” para descrever a ofensiva na Ucrânia, lamenta.
O simples fato de falar em “guerra” para descrever a intervenção militar pode levar à prisão sob uma lei que pune o que as autoridades entendem como “informação falsa”.
Desde o início da ofensiva, Pigorova viu a letra “Z” florescer em sua cidade em “ônibus ou placas de publicidade”.
A letra, inscrita nos uniformes russos na Ucrânia, tornou-se um sinal de apoio ao exército.
Além disso, vários opositores ainda na Rússia viram nos últimos dias o “Z” inscrito em suas portas com mensagens acusando-os de “colaboração”.
Em março, Vladimir Putin pediu pessoalmente uma “autopurificação” da sociedade russa dos “traidores”.
Helga Pigorova, apesar de comprometida com a oposição, “obviamente” não se considera uma “colaboracionista” ou uma traidora. “Meu país é pacífico, culto e bonito. E um governo agressivo faz de tudo para nos fazer esquecer disso”, diz.
Com modéstia, recusa-se a se ver entre “os últimos dos moicanos” e afirma receber diariamente inúmeras mensagens de apoio de amigos e desconhecidos.
Por enquanto, afirma não ter sofrido pressões concretas. “O medo existe, mas isso não significa que nada tenha que ser feito”, afirma, assegurando que quer ficar em seu país o maior tempo possível.
Ainda tem um vislumbre de esperança para a Rússia? “Claro, se não, de que adiantaria tudo isso?”, responde sem hesitar e esboçando um grande sorriso.