06/04/2001 - 7:00
O executivo Jean Duboc não vai deixar saudades no Carrefour. Durante os três anos em que presidiu a rede francesa de supermercados, a empresa viveu momentos críticos, de episódios envolvendo casos policiais à adoção de estratégias equivocadas de crescimento. O desfecho de tumultuada passagem pela subsidiária brasileira só aconteceu em dezembro do ano passado, quando foi ?convidado? pela matriz a bater em retirada, a título de uma rotatividade de praxe entre as lideranças do Carrefour em todo o mundo. Curiosamente, porém, nessa dança interna de cadeiras, faltou vaga para Duboc. O executivo francês de 50 anos ainda está no Brasil, mas desta vez nos quadros da TAM, empresa do amigo Rolim Amaro, onde assumiu o posto de vice-presidente de Recursos Humanos. Procurado por DINHEIRO, negou-se a dar entrevista. Ao mudar de endereço, Duboc deixou no Carrefour uma crise sem precedentes. No dia 26, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) divulga o ranking do setor mais esperado dos últimos anos. Os números poderão confirmar, se não a perda da liderança, um empate técnico com o concorrente Pão de Açúcar. É um duro golpe para uma rede que se mantém há décadas no pedestal do setor.
A briga será, digamos, por centavos. O Pão de Açúcar já divulgou o volume de vendas de 2000, que atingiu R$ 9,051 bilhões. De capital fechado, o Carrefour não revela os números. Mas, pelo relatório da Abras de 1999, dá para se ter idéia do tamanho da ameaça que a rede de origem brasileira representa. Naquele ano, a empresa de Abílio Diniz chegou à marca dos 7,7 bilhões, contra os R$ 7,9 bilhões do Carrefour. O avanço é firme. As elevadas taxas de crescimento e o bom posicionamento do Pão de Açúcar no mercado sinalizam a sua crescente força no setor. ?A rede brasileira adotou uma estratégia de segmentação de formatos e marcas nos últimos anos que lhe deu vantagens sobre a concorrência?, avalia Alberto Ferrentino, analista da Gouvêa de Souza, consultoria especializada em varejo. ?Tanto deu certo que o Carrefour está revendo seu modelo de crescimento e seguindo os passos do Pão de Açúcar.?
É essa a missão do novo homem eleito para assumir a direção do Carrefour no Brasil. De maneira mais coloquial, o que se diz pelo mercado é que Frank Witek foi designado mesmo é ?para apagar os incêndios da rede no País?. Não são poucas as correções de rota que o executivo terá de fazer. A rede francesa demorou para ir às compras quando começou o frenesi de fusões e aquisições em 1998 e, quando entrou na briga, o fez atabalhoadamente. Em meio a uma série de eventos isolados que tem afetado sua imagem ? envolvendo desde a tortura de duas desempregadas que furtaram mercadorias em uma loja do Rio à venda de celulares roubados em Recife ? o grupo hoje enfrenta problemas de logística, dificuldades na integração das novas lojas e uma clientela cada vez mais insatisfeita.
Embora tenha em seu currículo experiências como a instalação da rede na Ásia, Witek, que fala português e já havia trabalhado no Carrefour brasileiro, terá bastante trabalho pela frente. A lição de casa começa pela revisão das compras feitas pelo antecessor. No mês passado, o processo de queima de algumas operações ineficientes teve início. Foram vendidas duas lojas da rede Stoc (compradas do grupo Lojas Americana em Santa Catarina) para o grupo português Sonae. Em outra frente, o executivo terá de trabalhar para expandir a atuação do Carrefour, tradicional no Brasil pelo conceito de hipermercados, em supermercados de vizinhança.
O grupo está programando para breve o ingresso no segmento de lojas mais populares com a implantação da rede Dia%. Com até 600 metros quadrados e oferecendo muitos produtos com marcas próprias, a nova bandeira concorrerá diretamente com a cadeia Barateiro, de Abílio Diniz. As unidades da rede Champion, pertencentes ao Carrefour, serão reformuladas para atender às compras de conveniência. ?A empresa também terá de solucionar os graves problemas de logística, que provocam a falta de mercadorias nas prateleiras e insatisfazem os consumidores?, afirma Wolney Netto, analista de varejo da corretora Fator Doria Atherino. No QG do Carrefour em Paris, na França, o porta voz da empresa não comenta as operações do Brasil. Diz que as subsidiárias têm autonomia para tocar os negócios mas garante que o presidente mundial Daniel Bernard tem ?total confiança na atual direção?.
Segundo maior grupo de varejo do mundo (faturamento de US$ 60 bilhões), o Carrefour é dono, no Brasil, de 190 lojas. É uma de suas cinco maiores operações. ?Não tenho dúvidas da competência e que eles conseguirão se reposicionar?, diz o consultor de varejo Antônio Carlos Ascar, presidente da consultoria Ascar e Associados e ex-diretor do Pão de Açúcar. ?Ninguém vende US$ 60 bilhões por acaso.? O porte da companhia não a livra dos problemas, mesmo mundialmente. A matriz atravessa dificuldades com a fusão com a rede Promodès. A operação levou a empresa a reverter suas expectativas de crescimento de lucros para 2002 em 5 pontos percentuais – baixando para 15%. O valor é metade do prometido. Em Paris, o Carrefour sofre ainda com falhas na administração de estoques. São tantos os problemas que até Daniel Bernard, reconheceu que o grupo está ?atravessando um vale de lágrimas?.
No Brasil, as dificuldades, mais parecem enchentes. Embora ainda haja bastante espaço para crescimento, passada a fase de aquisição dos últimos anos, a briga agora será por participação de mercado. E aquele que quiser se manter na pole position não poderá subestimar concorrentes como a americana Wall Mart ? líder mundial ? , a holandesa Royal Ahold, dona do varejo no Nordeste do País, e a portuguesa Sonae, que começou pelo Sul e já está avançando pelo Sudeste. Nenhuma delas veio ao Brasil a passeio e o Carrefour, agora, sabe disso.