Neste sábado, 30 de abril, faz 60 anos que Adolf Hitler morreu. Era uma tarde de primavera de 1945, exatamente às 15 horas, quando o ditador alemão encerrou a própria vida com um tiro de pistola contra o palato. Tinha 56 anos de idade, exalava um hálito pestilento e, segundo os que o viram nos últimos dias, tremia e se arrastava como um velho doente. Matou-se para evitar que as tropas russas, que já invadiam Berlim, o apanhassem com vida no bunker em que se refugiara com a sua camarilha. Deixou como herança um país em destroço, 50 milhões de mortos na Europa e uma ideologia de ódio, racismo e violência como nunca se vira. No dia 7 de maio, quando se comemora a rendição oficial da Alemanha na II Guerra Mundial, a figura sombria do criador do nazismo voltará à tona. No Brasil, um filme poderoso ? A Queda, As Últimas Horas de Hitler ? entra em cartaz nesta semana, mostrando os momentos finais do regime. Visto por 4 milhões de pessoas na Alemanha, A Queda foi acusado de humanizar a figura do tirano. Não é verdade. Ao mostrar a mulher do propagandista Joseph Goebbels envenenando os próprios filhos, porque ?não haveria sentido em viver em um mundo sem o Führer?, o filme de Oliver Hirschbiegel retrata Hitler e seus asseclas pelo que eram, uma súcia de assassinos.

Antes de terminar em orgia de suicídios, a glória bandida do nazismo durou 12 anos. Nesse período construiu-se a lenda da ?eficiência? de Hitler. Ele seria não apenas o gênio político e militar que dominou a Europa, mas, também, o homem que construiu na Alemanha um modelo econômico de ordem, prosperidade e crescimento sem paralelo. Pouco disso tem resistido ao olhar dos historiadores. Desde o clássico Ascensão e Queda do Terceiro Reich, de Willian Shirer, sabe-se que o ex-vagabundo austríaco era uma nulidade em economia. Novos livros, como Berlim 1945, de Antony Beevor, e Stalin, de Dmitri Volkogonov, lançam outras luzes sobre seus atos. Autodidata, sua escola foi a dos preconceitos da época. Antes de chegar ao poder, Hitler repetia uma fórmula que misturava reforma agrária, tabelamento de juros e nacionalização de lojas de departamento. Era o nacional-socialismo original, de cunho anticapitalista.

Quando precisou de dinheiro para ganhar eleições, o aspirante a ditador esqueceu sua antiga plataforma. Fez campanha entre empresários prometendo acabar com os comunistas e a bagunça sindical. Os capitalistas alemães aderiram. Alçado ao poder em 1933, Hitler encarcerou e matou a esquerda, fechou sindicatos e transformou os operários em servos. Eles tinham emprego assegurado, mas perderam a liberdade de vender sua mão-de-obra no mercado. Os efeitos não tardaram a aparecer. Em 1938, em meio ao boom de crescimento, os salários dos trabalhadores representavam 53,6% do PIB. Eram três pontos percentuais a menos do que em 1932, no auge da recessão. Não havia mais desemprego, mas a liberdade encolhera com a renda. O Estado, antes paternal, tornou-se o eixo de uma economia de guerra movida a terror, com total desprezo pela eficiência e a lógica de mercado.

Nesse cenário, os empresários pagaram caro pelos serviços de Hitler. Os nazistas montaram uma máquina de controle estatal que transformou as empresas em repartições do governo e vacas leiteiras do partido. Os pequenos empreendedores, um dos alicerces do nazismo, foram esmagados em benefício do grande capital. Um decreto de outubro de 1937 simplesmente dissolveu as empresas com capital inferior a US$ 40 mil e proibiu o estabelecimento de novas firmas com menos de US$ 2 milhões em capital. Apelar à Justiça era inútil. ?A lei é a vontade do Fuhrer?, dizia-se. Se o ditador ou seus acólitos achasse que as sentenças dos tribunais eram brandas ou equivocadas, podiam intervir ?sem piedade?. Hermann Goring, o piloto indolente que ganhou o status de superministro da economia, fez fortuna roubando e chantageando homens de negócios. Ao final e ao cabo, a guerra destruiu o capitalismo alemão. Ele só renasceu com a reconstrução patrocinada pelo Plano Marshal, no contexto de uma comunidade européia pacificada. Esses dois conceitos, no que têm de generosos e visionários, não caberiam na lógica primitiva de Hitler.