DINHEIRO – Quando o Banco Central estava sob seu comando, o sistema bancário brasileiro estava fragilizado e, no mundo, parecia haver solidez. Hoje é o contrário. O que causou a inversão?
GUSTAVO LOYOLA Entre 1995 e 1997, quando eu presidi o Banco Central, alguns bancos brasileiros, como o Nacional e o Bamerindus, estavam com problemas porque perderam a receita inflacionária ou simplesmente porque estavam contaminados pela corrupção. O fim da inflação pegou alguns bancos de calças curtas. Por isso, era necessário o Proer. Naquela época, não foi uma abordagem para simplesmente recuperar os bancos, mas reconhecemos que precisava haver uma mudança na regulação, o que hoje garante uma saúde para o sistema e nos diferencia do resto do mundo. Ou seja, aprendemos a regular os bancos e evitamos que a situação corresse livre como lá fora. A gente nunca teve uma regulação tão frouxa como a que existe no Exterior, o motivo da crise atual.

DINHEIRO – O sr. foi muito criticado pelo Proer durante anos, mas a crise atual tem obrigado os governos a colocar em prática uma versão global do seu programa de ajuda aos bancos. Esse é um reconhecimento de que o plano não era tão ruim como diziam?
LOYOLA Quem tinha conhecimento da situação, sabia que o Proer era necessário. Agora o Proer está mais do que justificado. Viram que estávamos certos. No entanto, fui muito atacado naquela época porque diziam que eu estava colocando dinheiro público para salvar prebanqueiros. Era uma crítica irresponsável. Essa idéia amadora também tinha um grande apoio popular porque ninguém tinha sentido na pele o que significa a quebra de um banco. O preço é muito mais alto e o dinheiro acaba saindo do bolso do contribuinte do mesmo modo. Mas essa percepção começa a mudar, quase 15 anos depois.

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DINHEIRO – Alguns dizem que a crise atual é a pior desde a Grande Depressão da década de 30. Qual é a sua avaliação dessa crise?
LOYOLAOs indicadores mostram que temos a mais grave crise desde a Segunda Guerra Mundial. Não se pode dizer que teremos um episódio tão duradouro como aquele, que perdurou durante toda a década de 30, mas é de fato muito forte. Não acredito que tenhamos um resultado tão danoso quanto aquele. Os instrumentos atuais de política monetária e fiscal são mais bem conhecidos e todos sabem que não podem cometer os mesmos erros de 1930. Estamos vendo uma ação frenética dos governos para evitar que o sistema bancário entre em colapso. Isso deve dar certo.

DINHEIRO – Quanto tempo a crise vai durar?
LOYOLA O mundo ainda vai vivenciar toda essa crise em 2009 e parte de 2010. A recuperação deve começar nas economias desenvolvidas no ano que vem. Coisas ruins ainda acontecerão. Acho que o pior dela ainda vamos sentir neste ano, no final do primeiro semestre e começo do segundo.

DINHEIRO – O que é o pior da crise?
LOYOLAO pior da crise é o efeito sobre o emprego e a atividade econômica. Estamos vendo quedas muito fortes na produção industrial no Japão, nos Estados Unidos e na Europa, além de retração do emprego em todo o mundo. Fora isso, talvez o mais importante de todos os fatores que compõem a crise seja a queda do comércio internacional, que teve a primeira retração em 60 anos. Estava crescendo de forma contínua desde a Segunda Guerra. Tudo isso mostra que o pior da crise ainda terá impactos na economia real.

DINHEIRO – As tentativas de salvar os bancos internacionais têm sido eficazes, na sua opinião?
LOYOLADiferentemente do Proer, que tinha um caráter preventivo, para evitar o colapso dos bancos, hoje os governos têm agido apenas para apagar o incêndio. Ninguém sabe lidar com a situação. Não nessa escala. Nenhum governo tem uma receita de bolo pronta para tratar do assunto. Eles apenas sabem que é preciso evitar que o sistema bancário vá por água abaixo. É por esta razão que não existem muitas saídas além de injetar recursos, preservar os bancos e restaurar a confiança no sistema.

WELLINGTON CERQUEIRA/AG. ISTOÉ

DINHEIRO – Então o Proer, por ser preventivo, foi melhor do que os planos atuais?
LOYOLAO que se pode fazer, tem sido feito. Não há melhor ou pior. São cenários diferentes. Evidentemente, é melhor ter medidas preventivas, como é o caso do Proer, do que curativas. O Proer se antecipou ao pior. Mas, como não houve prevenção, muitas tentativas legítimas estão sendo feitas. O problema é que, por enquanto, há falta de articulação dos governos para tentar restaurar o sistema.

DINHEIRO – Essa falta de articulação tem alimentado a crise?
LOYOLANão é só falta de articulação. Existe uma grande dificuldade dos governos em entender a natureza da crise e também existe uma resistência da sociedade para que os governos possam usar todos os instrumentos de ação. Em outras palavras, a sociedade enxerga essas iniciativas como apoio excessivo aos bancos. A quebra de um banco, no entanto, tem um custo social elevado e causa uma contaminação sistêmica, com efeitos no crédito e no emprego. Por conta disso, os governos fazem tentativas graduais. Ou seja, usam pouco dinheiro para resolver o problema, em doses homeopáticas, e esse dinheiro acaba sendo jogado fora. A dose tem de ser cavalar para curar a doença.

DINHEIRO – A cura está na dose, então?
LOYOLATambém. Mas é fundamental ter ações sincronizadas. Cada país, individualmente, tem colocado em prática medidas que considera necessárias para resolver o problema localmente. A própria equipe do presidente Barack Obama hoje discute qual é a melhor medida para solucionar a crise: entre elas está em debate colocar dinheiro direto nos bancos, nacionalizar as instituições ou criar um grande ‘bad bank’ para absorver os ativos podres. Por isso, existem dificuldades de colocar em prática uma ação coordenada entre os países. O que se busca é uma saída que não apenas salve os bancos, mas dê a eles condições de restaurar o crédito de forma mais rápido possível.

DINHEIRO – Qual a sua proposta?
LOYOLA Existem várias. A mais importante é fortalecer organismos multilaterais de fiscalização do sistema bancário mundial. Agora o problema está instalado. O desafio será evitar novos episódios.

DINHEIRO – A estatização é uma saída?
LOYOLADefendo a intervenção dos governos e a estatização em alguns casos, como tem acontecido nos Estados Unidos e Europa. Mas apenas por tempo determinado, até que a situação seja normalizada. Não concordo com o que tem sido feito no Brasil. Não se pode usar a crise como pretexto para aumentar o tamanho do Estado, que já é grande demais. O governo, por meio da MP 443, permitiu que o Banco do Brasil e a Caixa aumentassem a participação no setor público. Isso é totalmente desnecessário. Praticamente um terço do sistema bancário brasileiro está nas mãos do governo e não há um problema real para que o governo aumente ainda mais essa participação. Além disso, os dois bancos estatais são concorrentes no mesmo mercado. Não concordo com essa idéia de Estado empresário, ainda mais com duas empresas que disputam o mesmo espaço.

DINHEIRO – Mas o governo brasileiro tem acertado no combate à crise, não?
LOYOLASim. Há mais acertos do que erros. Porém, há erros demais. Essa história de condicionar empréstimos à manutenção dos empregos e a tentativa de sobretaxar as importações são exemplos de erros grotescos. Mas, principalmente por parte do Banco Central, que tem usado a redução dos juros de forma eficiente, existem muitos acertos.

DINHEIRO – Não é justo exigir das empresas socorridas contrapartidas sociais, como a preservação do emprego?
LOYOLANão resolve tentar colocar regras goela abaixo dos bancos e empresas. O governo quer forçar os bancos a emprestar mais, com juros baixos. Isso não vai acontecer. No caso das empresas, em vez de obrigar a segurar os trabalhadores em troca de empréstimo, seria mais interessante trabalhar para manter a saúde do sistema financeiro. Tudo isso não terá resultado. Outra coisa: o governo tem feito campanha para estimular o consumidor a gastar. Isso é irresponsabilidade. Como pedir para o trabalhador comprar mais se não sabemos se ele terá emprego para pagar daqui a uns meses?

DINHEIRO – Muitos especialistas dizem que o País não será afetado pela crise. Concorda?
LOYOLAHaverá uma desaceleração muito forte, assim como em todo o mundo. Mas não recessão. As maiores economias do mundo vão encolher, enquanto devemos crescer 2% em 2009. Se compararmos com o desempenho dos últimos anos, é ruim. Se olharmos para o cenário lá fora, podemos dizer que vamos sair intactos da crise, nesse sentido. Graças à solidez do mercado financeiro brasileiro, o fluxo de crédito e os alicerces do sistema financeiro estarão mantidos durante a crise e serão os primeiros a avançar assim que a turbulência passar.