08/07/2025 - 7:30
Por onde passa, Ana Toni recebe acenos e sorrisos. Muitos dos que a cumprimentam já estiveram numa mesa de reuniões com ela. A diretora-executiva da próxima Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, a COP30, tem longa experiência em negociações – dentro e fora dos círculos oficiais da diplomacia.
Formada em economia, Toni fez carreira no terceiro setor, com passagens pelo Greenpeace e à frente do Instituto Clima e Sociedade, organização filantrópica que capta recursos e distribui o dinheiro entre iniciativas brasileiras voltadas para o combate às mudanças climáticas. No terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, ela assumiu a Secretaria Nacional de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas.
À frente da COP30, Toni tem percorrido longas distâncias e dialogado com diferentes públicos para convencer lideranças a se comprometerem mais. Em Bonn, na Alemanha, que sediou uma rodada preparatória da próxima conferência em Belém, a presidência brasileira conseguiu avanços, mas foi bastante questionada sobre as condições que a próxima anfitriã tem a oferecer aos milhares de participantes que desembarcam na capital do Pará em novembro.
“Vai ter transporte, vai ter hospital – ninguém sabe que o SUS é uma obra-prima”, menciona Toni à DW. “O problema agora é o preço das acomodações”, reconhece, não escondendo a chateação de ter que tratar temas ligados à logística.
Em visita recente a Belém, ela conversou com representantes de grandes empresas, esteve com o governador do Pará, Helder Barbalho, e conferiu as obras das instalações que sediarão as duas semanas de reuniões diplomáticas. Em entrevista à DW, ela diz que há muitos desafios ainda a serem vencidos até a COP30 e não nega a contradição brasileira em torno da expansão da fronteira de exploração de petróleo.
DW: O Brasil convocou todos para um “mutirão” pelo clima logo que assumiu a presidência da COP. Como está a adesão até aqui?
Ana Toni: É muito interessante porque, lógico, em português, todo mundo entende o que é mutirão, apesar de vir de uma expressão de língua indígena. É pôr a mão na massa e fazer coletivamente, com empatia e solidariedade. Trazemos também nesse conceito o mutirão modernizado, trazendo tecnologia, uma coisa de inteligência artificial, de rede.
Então acho que pegou, está todo mundo querendo fazer, mesmo os que não falam português estão tentando falar essa palavra estranha e traduzi-la nas suas culturas.
Estamos no momento da crise climática, no qual obviamente a política pública tem uma centralidade, mas não são só governos agora: é setor privado, indivíduos, consumidores, eleitores, mães, filhos, médicos, todo mundo pode fazer algo. A mudança do clima não acontece só em duas semanas de COP, mas no dia a dia. É o problema de cada um de nós.
Nesta maratona de mobilizar governos, diplomatas, empresas, com mentalidades e interesses tão diferentes, você precisa ajustar muito essa linguagem?
No final, eu acho que tem uma convergência. Todo mundo tem que partir para a aceleração das ações porque, se antes a mudança do clima era um problema do futuro, hoje estamos sentindo na pele. São 45 °C lá na Europa, enchente no Rio Grande do Sul, incêndio na Amazônia. Isso é fácil de todo mundo entender, seja governo, seja setor privado, seja dona de casa.
Temos um problema de comunicação mesmo, que começou lá atrás, de não trazer os indivíduos para essa conversa. Agora percebemos que a mudança do clima está no dia a dia das pessoas, mas não fazemos esse link entre as grandes conferências e o cotidiano.
As pessoas estão colocando painel solar nas suas casas, e temos que falar que elas hoje pagam mais barato no painel porque, lá atrás, houve um processo para se pensar na transição energética. A mesma coisa com os negociadores. Temos que lembrá-los que aquela palavrinha que eles estão debatendo para entrar ou não no texto final está afetando o dia a dia de uma dona de casa, de uma mãe, de uma criança.
Temos que mudar essa comunicação. A expectativa de uma COP é sempre: qual vai ser a manchete do dia seguinte? A manchete é sempre a negociação. E já fechamos o livro de regras da grande negociação que foi o Acordo de Paris. Obviamente haverá negociações importantíssimas sobre adaptação, sobre transição justa. O tema da mudança do clima está muito mais complexo, muito mais transversal. Mas a linguagem ainda está muito de negociação, de um momento específico, num período específico.
Durante a última COP houve muita crítica em relação à presidência, que, enfim, demorou para colocar algumas questões em debate, como o financiamento. Qual estratégia a presidência do Brasil vai seguir? Vai tratar o abandono dos combustíveis fósseis de alguma forma?
Os temas de negociação da COP30 foram pautados nas conferências passadas. Herdamos os temas a serem negociados. O tema combustível fóssil não está na negociação. A negociação é o que fazer com o Balanço Global, que é um documento de 196 parágrafos que vai de energia, combustível fóssil, eficiência, desmatamento, adaptação a financiamento. Quais seriam os próximos passos deste documento.
É papel da presidência explicar o que é a expectativa versus o que é real. O que a presidência pode fazer é trazer esses objetivos que saíram na COP28 e falar sobre onde estamos no Balanço Global.
Fizemos uma escolha na agenda de ação: colocamos lá que íamos triplicar a energia renovável, duplicar a eficiência energética, transitar para o fim de combustíveis fósseis de uma maneira equitativa. Não conseguimos, como presidência, impor a 198 outros países o que colocar numa negociação se esses países não aceitam colocar. Tem essa dificuldade. Sabemos que o tema da energia como um todo é absolutamente fundamental, corresponde a 75% das emissões de gases de efeito estufa. Ele vai aparecer, mas o quanto vai ser debatido na negociação depende dos negociadores, e não está pautado para acontecer isso.
O Brasil que vai conduzir essa negociação climática também está perto de abrir novos poços de petróleo na bacia marítima da Foz do Amazonas. Como lidar com esta contradição?
Mas que país que sediou COP não teve essa contradição? Vamos olhar para a França que sediou o Acordo de Paris. Hoje em dia a França depende 65% de combustível fóssil para a sua matriz energética. O Brasil depende 50%.
Essas contradições são muito importantes de serem debatidas. Parece que é uma contradição do Brasil, mas é contradição do mundo, das pessoas, porque nós somos consumidores de combustível fóssil no nosso dia a dia. Temos que complexificar um pouco, porque infelizmente a sociedade mundial depende de combustível fóssil de diversas maneiras. Como o presidente Lula fala, temos que acabar com a nossa dependência.
E para isso, temos que olhar por onde começar. É no setor elétrico? No Brasil, nós temos mais de 90% renovável nesse setor, então estamos quase lá. Mas como deixamos de ser dependente de transporte? Como é que cada país consegue?
Não tem uma solução única para cada um dos países. Na Índia, eles não têm petróleo, não têm gás, mas têm muito carvão. Quais são as soluções para a Índia? Vão ser diferentes das do Brasil. O caso da Noruega é outro: quase limpou sua matriz energética, mas é um grande exportador de combustível fóssil. Já passamos do estágio de apontar dedo um para o outro. Vamos olhar para soluções, o que cada um dos países consegue fazer melhor.
Você está aqui em Belém, vai visitar obras em andamento, acaba de voltar da reunião preparatória de Bonn onde a delegação brasileira foi questionada sobre hospedagem, logística. E a cobertura internacional nesse ponto tem sido bastante negativa. Como a presidência trata estas questões?
É uma pena que isso tenha sido tema em toda COP. Logística é um tema e uma das razões é que a COP se tornou o maior evento das Nações Unidas, um dos maiores eventos mundiais de debate. Então isso é uma preocupação e cada vez mais percebemos que pouquíssimas cidades têm condição de sediar uma COP.
Obviamente que, no Brasil, outras cidades poderiam talvez acomodar melhor, mas simbolicamente é tão importante estarmos aqui em Belém. Havia também muito desconhecimento e talvez um não-entendimento do que é Belém: as pessoas pensam que estávamos indo para o meio da floresta, uma selva, que vai ter doenças, não tem transporte. Esquecem que Belém é uma cidade de 1,4 milhão de habitantes, provavelmente maior do que a maioria das cidades na Europa.
Vai ter transporte, vai ter hospital – ninguém sabe que o SUS é uma obra-prima. O problema agora é o preço das acomodações. É verdade que eles estão extremamente elevados. Também acho que tem uma expectativa, porque é na Amazônia que tem que ser barato, sabe? Quando era em Dubai, ninguém se preocupava em pagar 200, 300, 400 dólares por um quarto. Mas, obviamente, é muito recurso para se pagar num quarto de hotel, principalmente para a sociedade civil ou mesmo delegações.
Estamos muito atentos a esse tema em específico, tanto o governo federal, estadual e prefeitura. Conversei muito com o prefeito aqui, disse que Belém acolhe muito bem as pessoas, mas os preços têm que ser razoáveis em qualquer cidade para as pessoas quererem voltar. As pessoas não vão ficar milionárias em Belém. Tomara que seja bom para a economia, tanto para os hotéis como para as pessoas. Tem que ser já um legado positivo.
Faltam menos de quatro meses para a COP30. O que mais precisa ser resolvido até o início da conferência?
Demos um passo importante em Bonn de andar com muitos textos. De 46 textos, só dois que não andaram. Então foi um avanço muito positivo. Ainda tem muita tensão, muita briga, porque tem muitos milhares de colchetes, milhares de opções, mas pelo menos temos textos.
A segunda prioridade logicamente é sobre um tema que estará muito presente na COP: financiamento. Temos que entregar um relatório que mostra como mobilizar 1,3 trilhão de dólares para apoiar países em desenvolvimento na luta contra a mudança do clima. Temos escutado muitas delegações, muitos especialistas, muito setor privado, e esperamos poder trazer o melhor relatório possível.
Outro grande desafio tem a ver com um movimento ousado de trazer para a agenda de ação o Balanço Global, que é essa ligação entre a agenda de ação, a agenda do setor privado, das prefeituras, dos governadores, da sociedade. E, claro, a campanha toda que estamos fazendo para que os países enviem suas Contribuições Nacionalmente Determinada, as NDCs, mais ambiciosas.
Você começou como uma ativista na década de 1990 e hoje é a diretora-executiva de uma Conferência do Clima da ONU. Como vê as mudanças que o mundo passou desde então?
Eu comecei em 1991, fui para a Eco 92 como sociedade civil e foi um momento muito único. Na época, era jovem, ativista, tinha uma outra perspectiva, mas em 1992 a gente realmente achou que estava mudando, né? Era meia dúzia de pessoas que falava sobre a Terra. Agora todo mundo fala de clima. Paris foi um momento único, porque demos um frame legal de governança global que Kyoto começou.
Então, acho que para mim, profissionalmente, é muito legal esse ciclo de ter começado lá antes de 92 e agora como CEO da COP trabalhando com o embaixador André Corrêa do Lago.
Toda a COP tem a sua mágica, tem o seu perrengue. Sempre saímos triste de uma forma, “Ah, não atingimos tudo”. Toda a COP é isso, mas são passos importantes. Olha o quanto o mundo já mudou em 30 anos.
Estamos longe dos nossos objetivos. Mas estamos há séculos acostumados a uma economia de alto carbono. Mudar isso tão rapidamente é muito difícil mesmo. Como conseguimos acelerar essas mudanças, para o bem ou para o mal? Eu acho que ser otimista ou pessimista tanto faz. Não podemos não ter energia para a mudança. E se o que traz energia para mudança é o pessimismo, ótimo. Para mim, o que me traz energia é o otimismo.