15/02/2023 - 6:25
Os civis de Avdiivka, no leste da Ucrânia, estão no fogo cruzado de combates ferozes desde que rebeldes pró-Rússia tomaram o controle da vizinha Donetsk em 2014.
Desde a invasão russa da Ucrânia em fevereiro passado, a outrora próspera cidade industrial de 30 mil habitantes na disputada região do Donbass tornou-se uma cidade fantasma.
Aqueles que não fugiram agora se escondem dentro de casa, amontoados nos porões de prédios de apartamentos sem água encanada ou eletricidade, temendo um golpe direto de bombardeios constantes vindos de ambos os lados.
Uma equipe da AFP visitou Avdiivka em 8 de fevereiro.
– Fogo e água –
– 8h39: o incêndio em um apartamento de esquina no topo da Rua Komunalna ainda queima, após o local ter sido atingido por um foguete na noite anterior. Uma espessa fumaça cinza escapa por uma janela da escada e as chamas crepitam.
Sem brigada de incêndio, o fogo terá que se extinguir sozinho, dizem os moradores. Detritos carbonizados e cacos de vidro caem suavemente na neve abaixo.
– 8h42: os moradores passaram o tempo desde o amanhecer, duas horas antes, enchendo garrafas com água de um fontanário comunitário.
Como se não bastasse a ameaça de morteiros e foguetes de ambos os lados, uma idosa morreu recentemente de envenenamento por monóxido de carbono causado pela fumaça de um fogão a lenha mal ventilado, diz um deles.
– 9h09: Andriy, 51, sai correndo. “Pegue isso”, diz ele, entregando um colar de crucifixo. “Isso irá mantê-lo seguro.”
– 9h28: Oleksandr Lugovskykh, 35, senta-se na beira da cama no apartamento do primeiro andar que divide com seu gato Tusik.
Na penumbra, Lugovskykh, de aparência emaciada, parece alheio à fumaça sufocante do fogão e dá uma forte tragada em um cigarro. Ele conserta serras para viver. Mas o trabalho depende das horas do dia.
“Depois das 14h00 horas, o dia está mais ou menos acabado”, diz ele. “Não há nada para fazer. Às 16h00 horas escurece.”
Do lado fora, um vento gelado baixou a temperatura para -18ºC. Lugovskykh, um ex-construtor, diz que o calor do fogão torna o ambiente suportável durante o dia. Mas ele não o usa à noite.
Ele diz não entender o objetivo da guerra. “É uma luta entre políticos para mostrar quem é o mais forte”, afirma encolhendo os ombros.
– Combustível –
– 10h22: Svitlana, 49, está na única loja em Avdiivka desde o início da manhã. Ela se senta ouvindo rádio entre um estoque de tochas, botas pesadas, carregadores solares e outros itens que os moradores pedem para ela pegar.
“Em média são cerca de três clientes por dia… É o suficiente para eu ganhar um dinheirinho. Não quero depender de ajuda”, diz ela.
– 10h56: perto do mercado bombardeado, moradores se reúnem na escada de um prédio de apartamentos, usando um gerador para recarregar celulares.
Do lado de fora, eles seguram os dispositivos em direção ao céu azul claro, esperando obter um sinal. Às vezes acontece, dizem.
A uma curta distância a pé, Lyubov Stepanova, 71, recolhe toras e carvão.
Stepanova arrastou um carrinho surrado pela neve do porão reformado que ela divide com 20 vizinhos.
“Havia 50 de nós lá, mas muitos foram embora”, diz a aposentada, que costumava trabalhar na gigante fábrica de carvão e produtos químicos de Avdiivka.
– 11h02: no claustrofóbico bunker sem janelas de Stepanova, Tetyana, 68, massageia as mãos e os dedos artríticos de Galyna, 83, em uma cama improvisada sob uma série de luzes pisca-pisca.
– Estresse –
– 12h31: Vitaliy Sytnyk, 55, faz uma pausa no Hospital Central de Avdiivka. As bolsas pesadas sob seus olhos são um sinal revelador de longos dias e noites sem dormir.
A maior parte da equipe médica foi embora no ano passado por causa de bombardeios pesados, relata. Ele é o único médico no local desde outubro.
Sytnyk diz que, apesar do bombardeio, a clínica, que fica a apenas um quilômetro das linhas russas, está bem abastecida.
O som de morteiros sacode as vidraças. Ele junta as mãos e sua perna direita treme.
“As pessoas estão estressadas”, diz. “Elas vêm e pedem antidepressivos e pílulas para dormir. Como médico, eu dou. Mas eu digo: ‘Para você dormir melhor você tem que ir embora’.”
Do lado de fora, Sytnyk acende um cigarro e mostra os estragos de uma bomba em dois andares do hospital, obrigando o uso apenas do térreo.
– 13h30: o som de bombardeios se intensifica nas proximidades e Sytnyk volta correndo para dentro. “Você deveria ir embora”, sugere, olhando por cima do ombro.