É tempo de liquidação no pregão, com descontos a granel. Mesmo os itens mais cobiçados e populares do catálogo estão sendo vendidos bem barato. Um bom exemplo são as ações Vale PNA, um dos papéis mais negociados da bolsa. Elas amargam uma queda de mais de 8% no ano e, no dia 3 de agosto, fecharam a R$ 43,52, a menor cotação em três meses. Esses números as transformam em uma pechincha? Alguns analistas de mercado defendem que sim. A maior prova disso é que quem melhor conhece esses papéis – a própria Vale, por decisão de seus executivos liderados por Murilo Ferreira – está comprando e em grande quantidade. A companhia anunciou no fim de junho um programa de recompra de ações que poderá adquirir até 5,9% das ações em circulação, um negócio que pode envolver US$ 3 bilhões em ações preferenciais e ordinárias em circulação, sem esquecer os títulos negociados na Bolsa de Nova York. 

 

Cabe aqui a pergunta: vale a pena apostar em empresas que anunciam programas de recompra de suas ações? Com algumas ressalvas – e riscos, claro – esses programas podem beneficiar os investidores, tanto os que pensam no longo prazo quanto os que fazem operações de um dia, os famosos “day-trade”. Um programa pode representar ganhos de curtíssimo prazo. Em geral, as cotações sobem quando a empresa anuncia uma recompra. No caso da Vale, a notícia provocou uma alta de 4,5% no dia da informação ao mercado. No entanto, isso não é garantido, pois o comportamento das ações depende do que será feito com os papéis recomprados. “Há várias alternativas, desde a manutenção em tesouraria até o cancelamento dos papéis”, diz Saravalle, da corretora Coinvalores. 

 

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Rodrigo Alvarado, da Fator Corretora: calculando o impacto dos anúncios

 

Algumas companhias abertas realizam recompras regularmente para abastecer seus programas de remuneração variável de funcionários e bonificação de executivos, por exemplo. Nesse caso, dizem os especialistas, quando anuncia um programa desse tipo, a empresa está esperando uma alta. “Uma companhia que compra ações em julho, para abastecer um programa de remuneração que vence em dezembro, está apostando que os preços vão subir e tenta garantir uma cotação baixa”, diz Rodrigo Alvarado, superintendente de vendas institucional da Fator Corretora. Nesses casos, porém, a alta pode não ser duradoura, pois os papéis apenas trocam de dono. Eles devem voltar mais tarde para o mercado nas mãos dos executivos. 

 

No entanto, se o objetivo da recompra for cancelar as ações, os pequenos têm mais possibilidade de ganhar. O cancelamento reduz a quantidade de ações em circulação e a fatia que cada um dos investidores tem em mãos aumenta na hora de dividir os lucros, por exemplo. “Isso melhora a remuneração dos acionistas na distribuição dos dividendos”, diz Marco Saravalle, analista da corretora Coinvalores. Ao anunciar o programa, a Vale afirmou que os papéis recomprados até 25 de novembro deste ano serão cancelados posteriormente. Seguindo a lógica da concentração de percentual nas mãos dos minoritários, os dividendos podem aumentar após o cancelamento.

 

 

A questão de participar ou não de uma recompra tem sido formulada por um número crescente de investidores nos últimos tempos. 

O mau-humor do mercado, tanto no Brasil quanto no Exterior, fez alguns dos papéis mais negociados na bolsa caírem aos menores níveis em quase dois anos. Essa onda de descontos justificou o lançamento de recompras de ações por nove empresas. A lista inclui nomes conhecidos, como Vale, Bradesco, Natura e Gerdau, e também empresas menores, como Anhanguera e BicBanco (veja quadro). As recompras ocorrem periodicamente, em geral quando os executivos de uma companhia aberta concluem que as ações estão sendo negociadas muito abaixo do preço justo. 

 

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Murilo Ferreira, da Vale: recompra de us$ 3 bilhões em ações e adrs 

 

O que chama a atenção nos últimos tempos é a quantidade e o valor desses programas. Se todos os objetivos fossem cumpridos a preços do início de agosto, as nove empresas movimentariam um total de US$ 4,5 bilhões em ações, o equivalente ao giro de dois pregões na bolsa. Esse número não é exato, pois as recompras são processos de longo prazo, em geral diluídos durante seis meses ou um ano. Bradesco e Bradespar, por exemplo, deveriam ter encerrado seus programas em julho, mas viram uma oportunidade de continuar comprando e renovaram os programas por mais seis meses. “A queda da bolsa vem estimulando as recompras”, diz André Paes, gestor de renda variável da Infinity Asset. 

 

“Ao anunciar essas medidas, as companhias indicam para o mercado que acreditam que seus papéis estão muito baratos.” Os programas de recompra vêm crescendo desde 2008, quando a crise financeira americana começou a derrubar a bolsa. Apesar de o mercado brasileiro ter se recuperado mais rapidamente do que os de outros países, o movimento continua. “As empresas brasileiras saíram depressa da crise e estão com seus caixas cheios”, diz Saravalle. “No entanto, alguns setores têm crescido devagar neste ano, fazendo com que comprar os próprios papéis se torne um investimento interessante.” 

 

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Mesmo com a perspectiva de ganhar mais dividendos, os investidores de longo prazo devem estar atentos a um pormenor importante. Uma recompra de ações é um indicador de que algo não vai bem, pois ela representa uma inversão da lógica de ir ao mercado. As companhias vendem suas ações na bolsa com a intenção de captar dinheiro barato e de longo prazo para injetar no negócio. Usar esse capital para recomprar os papéis quer dizer menos recursos disponíveis – ou ausência de oportunidades para a companhia investir. “Quem investe em uma empresa espera que ela use o caixa para crescer, não para operar no mercado de ações”, diz Alvarado. 

 

Uma companhia que recompra suas ações e investe ou é uma empresa sem perspectivas ou pode estar planejando fechar seu capital, o que reduz a liquidez dos papéis e o valor para os acionistas. Por isso, é bom ficar atento aos outros investimentos da empresa. No caso da Vale, por exemplo, além do programa de recompra, a mineradora prevê investir outros US$ 24 bilhões durante 2011, sendo mais de 80% reservados para seu crescimento orgânico. Procurada, a empresa não respondeu à DINHEIRO. 

 

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