A confiança é a palavra-chave do sistema financeiro global. Sem ela, bancos simplesmente deixariam de existir e mundo como conhecemos mergulharia no caos. Em tempos de crise bancária nos Estados Unidos, com as quebras do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank, e na Europa, com a incorporação do Credit Suisse pelo rival UBS, medidas foram tomadas por bancos centrais para que uma crise sistêmica não se espalhe pelo planeta. Não só os bancos centrais agiram, mas também as instituições financeiras passam a adotar iniciativas para evitar futuros problemas.

Segundo o estudo global As 10 Maiores Tendências Bancárias para 2023, da Accenture, o ano é de surpresas e disrupções. “Definitivamente não será um ano chato”, afirmou o diretor sênior da Accenture Global Banking, Michael Abbott. Entre as tendências levantadas pela divisão que acompanha o setor financeiro está o fato de que, diante dos juros altos, as contas de depósito importam novamente em todo o mundo. Ou seja, é hora de os bancos voltarem a encher o cofre, depois de vários anos de dinheiro barato em taxas muito baixas e até negativas em relação à inflação. A análise sobre o cenário mundial considerou que a retomada das taxas de juros pode não significar um retorno aos negócios de maneira habitual, mas certamente será bem-vinda pelos bancos. “A maioria das tendências que moldam o setor bancário em 2023 é afetada, se não realmente causada, pelo retorno das taxas positivas”, disse Abbott.

PACOTES Segundo a diretora de Estratégia e Consultoria em Serviços Financeiros da Accenture no Brasil, Joana Henklein, as instituições locais estão trabalhando em como conectar depósitos com produtos de crédito. (Crédito:Picasa)

Sobre o cenário local, a diretora de Estratégia e Consultoria em Serviços Financeiros da Accenture no Brasil, Joana Henklein, lembrou que durante o período mais grave da pandemia de Covid no País (2020-2021) que os juros ficaram relativamente baixos e impulsionaram investimentos financeiros mais arriscados e o crédito para consumo. “Antes (da pandemia), o Brasil passou por mais de 15 anos com a taxa de juros baixas. Depois, os juros baixos mudaram a forma como as pessoas viviam”, afirmou. “Agora, com as taxas novamente elevadas, o custo do dinheiro aumenta e o depósito passa a valer mais”, disse.

Quanto às tendências para o mercado brasileiro, Joana aponta que os grandes bancos vão promover iniciativas e programas para que os clientes permaneçam com seus recursos debaixo do guarda-chuva. “As instituições estão trabalhando em como conectar os depósitos com produtos de créditos. Os bancos não querem perder esses ativos, e essa é a alavanca para novos produtos de fidelidade”, afirmou. Questionada por exemplos dessas iniciativas, Joana citou casos internacionais que podem ser adaptados por aqui. “O Bank of América (BofA) criou uma cesta de serviços com crédito e um programa de fidelidade, onde o cliente vê valor ao permanecer no banco”, disse. Ela contou que o BofA usa inteligência para envolver o cliente em uma coleção personalizada de produtos e serviços. Ambas as partes se beneficiam, com o banco relatando uma taxa de retenção próxima a 99%. Outro exemplo internacional é do Discovery Bank, na África do Sul, que ajuda os clientes a administrarem suas finanças, acompanha seus progressos e recompensa aqueles que vão bem no programa com uma ampla variedade de ofertas, desde descontos em compras de alimentos saudáveis até reduções em passagens aéreas.

Ainda é difícil imaginar os grandes bancos locais custeando passagens ou hotéis para seus clientes. Mas lá fora, os bancos digitais eliminaram a conexão pessoal. Segundo observou o estudo, sites de comparação como Bankrate, nos EUA, MoneySuperMarket, no Reino Unido, e BankBazaar, na Índia, facilitaram para os clientes movimentar seu dinheiro em busca das melhores taxas. A inércia do cliente não é mais suficiente para garantir a retenção. Por isso, mais cedo ou mais tarde, os grandes bancos terão de cativar melhor os clientes. O estudo conclui que este é apenas o começo e que é provável que os bancos adicionem recursos e novas capacidades que aumentam à medida que o relacionamento com o cliente se aprofunda — quanto mais você usa, mais recebe: “Esperamos que os inovadores sejam mais criativos, talvez, para abrir uma nova conta bancária os clientes recebam uma assinatura da Netflix com desconto.”

FIDELIDADE Bank of America (BofA) criou uma cesta de serviços com crédito e um programa de vantagens com taxa de retenção de 99%. (Crédito:Roman Tiraspolsky)

BANCOS X FINTECHS Diante do fim do dinheiro barato para fintechs de crédito e startups do setor financeiro, Joana aponta que os grandes bancos brasileiros devem voltar a reconquistar clientes e utilizando agências customizadas para atividades mais importantes. “A gente acredita na multicanalidade. Se o banco tem canais físicos e digitais, vai querer usar o ponto físico para um momento de relacionamento mais relevante. O canal físico faz diferença para produtos mais complexos”, afirmou. “À medida que surgem novos riscos, os bancos que se concentram em ajudar os clientes a resolver seus problemas superarão seus concorrentes.”