À primeira vista, Hortolândia é uma típica cidade do interior. Às margens da rodovia Bandeirantes, 115 quilômetros afastada de São Paulo, passa facilmente despercebida por empresários em busca de terras para instalar uma fábrica de alta tecnologia. Da rodovia, nenhum sinal de pujança econômica. Mas esta pequena cidade, de 200 mil habitantes, hoje é o melhor exemplo de como o Estado de São Paulo vem reagindo à guerra fiscal, com a mesma arma dos concorrentes: fartos incentivos fiscais. Em dois anos, dez grandes empresas investiram mais de R$ 400 milhões para se instalar na cidade.

Recebem, para isso, um generoso pacote de benefício com isenção de IPTU, ISS, além de infra-estrutura por conta da prefeitura. Em troca, vão gerar dez mil empregos diretos até 2009 e prometem atrair fornecedores de peças, equipamentos e serviços. A população aproveita o boom econômico. Na avenida Emancipação, 5000, dois rapazes, de aproximadamente 25 anos cada, em uma pequena moto, param na portaria. ?Dá para entregar o currículo??, indagam. Tiram o papel de uma pasta repleta de documentos iguais, entregam, sobem na motocicleta e deixam a nova fábrica da maior fabricante mundial de computadores rumo a uma outra empresa. Só a Dell empregará 2,7 mil pessoas na unidade que inaugurou em maio, após transferir para a cidade a produção que era feita em Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul. ?Hortolândia reúne as condições que precisamos para crescer como queremos no Brasil e na América Latina?, diz Fernando Loureiro, diretor da empresa. ?Está perto de São Paulo e do Aeroporto de Viracopos, tem boas estradas e vontade política de transformar a região no Vale do Silício brasileiro.?

A vontade política é na verdade o Proemp, Programa Municipal de Incentivo Empresarial. Ou em outras palavras, um verdadeiro pacote de benesses que podem chegar a 20 anos de isenção do IPTU e de dez anos do ISS, de acordo com o tamanho da companhia. A Dell levou o pacote completo, além do auxílio da prefeitura para desembaraçar a burocracia e infra-estrutura completa, como instalação de gás, energia e terraplanagem da área. A guerra fiscal traz um ônus aos cofres públicos, mas o raciocínio do prefeito da cidade, Angelo Perugini, é simples de entender. O município perde arrecadação direta, mas ganha em empregos e peso econômico na região. Assim, tem mais poder de barganha por verbas federais e consegue um bolo maior do ICMS.

R$ 8 BILHÕES é o PIB estimado de Hortolândia em 2009
R$ 400 MILHÕES foram os investimentos feitos nos últimos anos na cidade
20 ANOS é a isenção do IPTU concedido à Dell

?A estratégia é arriscada, mas a guerra fiscal existe e se o plano for bem montado pode dar certo?, diz o analista da Austing Rating, Alex Agostini. Perugini, parece saber o que faz. Desde a criação do Proemp, há dois anos, o PIB da cidade pulou de R$ 1,7 bilhão para R$ 3 bilhões e o desemprego caiu de 17,1% da população economicamente ativa em 2004 para 4% em 2007. Em contrapartida, a cidade conseguiu do governo federal a liberação de R$ 65,2 milhões do PAC para obras de saneamento e urbanização. Outros R$ 2 milhões foram financiados juntos ao BNDES para a compra de equipamentos e máquinas usados para a manutenção de ruas da cidade. Trabalho que pesou na decisão dos executivos da Celestica e Lanmar ao escolher a cidade para construírem suas fábricas.

A canadense Celestica, fabricante de componentes para celulares e PCS, investiu R$ 12 milhões em Hortolândia, criou 500 novos empregos e engrossou o condomínio Tech Town, formado por 20 empresas de tecnologia da informação e que tem como o grande ícone o centro de serviços da IBM inaugurado em 2005 por R$ 100 milhões. Já a Lanmar, especializada em peças aeronáuticas, aproveitou a concentração de empresas de alta tecnologia, a logística privilegiada de Hortolândia e os incentivos fiscais para transferir sua produção que antes estava concentrada em Campinas. ?Os impostos são mais baratos, a prefeitura está empenhada em ajudar o empresário e aqui tínhamos espaço para duplicar a produção?, diz Porfírio Américo Marcolino, diretor da companhia, que investiu R$ 5 milhões na reforma de um prédio e na compra de equipamentos adicionais para a nova fábrica.

Na cidade, a empresa produzirá 150 mil peças ao mês, a maior parte para a Embraer, e duplicou seu quadro de funcionários para 300 pessoas. ?Enxergamos a indústria como clientes. Investimos para atendê-los, mas com a certeza de que o retorno para a cidade virá rápido?, disse o prefeito Perugini à DINHEIRO. ?A guerra fiscal, quando feita com impostos municipais, não é inconstitucional e pode trazer o progresso para a cidade?, explica o advogado Ives Gandra.

Apesar da pujança econômica, os problemas existem. A cidade que viu os estabelecimentos industriais pularem de 231 para 375 e o comércio duplicar para mais de 2 mil estabelecimentos em dois anos não tem uma universidade. O pedido ao governo para a construção de uma universidade federal e de uma faculdade de tecnologia já foram feitos. Não há resposta. Com grandes empresas demandando profissionais qualificados e oferecendo remuneração média de R$ 1,3 mil ? o dobro da média nacional ? talvez o problema seja solucionado logo. ?A cidade está perto de boas universidades e no entanto a mão-de-obra local não é qualificada?, diz Silvério Bonfiglioli, presidente da Magneti Marelli, que está investindo R$ 22 milhões na construção de uma fábrica de bicos injetores para motores flex dentro da planta da empresa em Hortolândia. ?Há uma grande vontade política e empresarial de consolidar a região como pólo tecnológico, essa é a diferença agora.?

Mas o pacote de incentivos oferecido pela prefeitura local não está restrito ao segmento de alta tecnologia. Eric Wickbold, gestor de novos projetos da Wickbold, fábrica de pães, admite que rodou o interior de São Paulo em busca de um lugar ideal para a terceira fábrica da empresa. ?Algumas prefeituras chegaram a nos tratar com certo desdém?, disse ele. ?Mas, em Hortolândia, recebemos um atendimento muito diferenciado tanto em benefícios como no tratamento.? A prefeitura não conseguiu cumprir a terraplanagem prometida na negociação por falta de verba, mas manteve a isenção de impostos. Problemas de uma pequena cidade que sonha em ser grande.