Lemuel Gulliver, personagem criada pelo escritor inglês Jonathan Swift em 1726, ficou famoso na literatura por viajar por países distantes de sua Inglaterra natal. Stuart Gulliver, principal executivo do banco inglês HSBC, busca justamente o inverso. Ele pretende reduzir o escopo de suas viagens a trabalho e evitar ao máximo os périplos por países exóticos e distantes. Desde fins do ano passado, o HSBC está alterando sua estratégia global, retirando-se do varejo bancário em praças pouco rentáveis. As operações em países como Rússia, Chile, Hungria e a ex-república soviética da Geórgia foram vendidas. Restaram apenas escritórios de representação e, em alguns casos, operações de atacado, concentradas no financiamento ao comércio exterior. No Brasil, a aplicação dessa estratégia será diferente: em vez de buscar ampliar linearmente sua base de clientes, o banco vai concentrar seus esforços nas pessoas físicas de alta renda e também nas pequenas e médias empresas. “Nossa rede tem 860 agências em cerca de 560 municípios”, diz Conrado Engel, presidente do banco no Brasil. “Não faz sentido tentar concorrer com os bancos com milhares de agências, como Banco do Brasil e Bradesco.” Agora, diz ele, o foco serão clientes com renda mensal mínima de R$ 7.000.

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Conrado Engel, presidente do HSBC no país: “Não faz sentido tentar concorrer com o Bradesco e com o Banco do Brasil”

Essa estratégia vai ao encontro do novo direcionamento global da instituição. O CEO Gulliver estabeleceu um critério de cinco requisitos para manter uma operação funcionando (leia quadro). Os primeiros itens são a conectividade de um país (ou seja, sua inserção no cenário global e sua abertura ao comércio), a relevância e a capacidade de crescimento de sua economia e a rentabilidade das operações. Em seguida, são calculadas a eficiência e o potencial de gerar recursos para o banco. “Vamos continuar investindo na Turquia e no Brasil, pois esses países passam em todos esses filtros”, disse Gulliver em um comunicado interno do banco. Ao divulgar seus resultados do terceiro trimestre, o banco informou também que pretende se desfazer da previdência privada no México. 

Além disso, o HSBC iniciou uma campanha agressiva de corte de custos. A meta é cortar US$ 3,5 bilhões em despesas recorrentes nos próximos três anos. Para isso, o banco vai mudar sua estratégia. “A maneira antiga de lidar com isso era cancelando a assinatura de jornais, cortando viagens e restringindo o número de peças de roupa que poderiam ser enviadas à lavanderia nos hotéis”, disse Gulliver. “Só que, para poupar US$ 3,5 bilhões, é preciso deixar de lavar uma enorme quantidade de meias, então precisamos olhar para outras coisas.” Para cumprir sua meta de corte de custos, o banco deverá investir pesadamente em sistemas. A estratégia é sanear os problemas de uma instituição diversificada demais e que, para seus próprios diretores, vem sendo gerida como uma federação de bancos independentes. 

 

A diversidade do HSBC nos 88 países em que atua elevou seus custos, problema agravado pela pouca sinergia entre as diversas unidades. No caso brasileiro, Engel vai aproveitar sua experiência de dois anos chefiando as operações de varejo na Ásia para investir em sistemas. “Temos sistemas asiáticos para venda de produtos aos clientes de varejo que podem ser adaptados muito bem às necessidades do Brasil”, diz ele. A estratégia também incluiu vender operações que haviam sido implantadas recentemente, como o varejo no Chile – as atividades no país andino vão se restringir ao banco de atacado, com foco no financiamento ao comércio exterior.

 

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Stuart Gulliver, CEO Global: muitas meias sem lavar para cumprir a meta de cortar US$ 3,5 bilhões em custos.

 

Formalizada no fim de setembro, a transferência da pequena rede chilena, de apenas quatro agências, para o Itaú Unibanco disparou uma onda de boatos de que o banco inglês estaria saindo do Brasil ou, pelo menos, vendendo suas operações de varejo por aqui também. Os candidatos a comprador seriam os gigantes nacionais, Itaú Unibanco e Bradesco. Todos os envolvidos negam. “Não comentamos rumores”, diz Engel. De concreto, o que está em curso são processos de avaliação de algumas operações. No caso das pequenas redes de varejo no Uruguai e no Paraguai, o Itaú olhou de perto, mas não se animou muito. “São redes pequenas demais”, diz um executivo que conhece os meandros do banco das famílias Villella e Setubal. Do patrimônio do HSBC no País, o que faz brilhar os olhos dos banqueiros é a financeira Losango.

 

A financeira foi adquirida pelo HSBC, em 2003, junto ao conterrâneo Lloyds Bank, que estava encerrando suas operações por aqui. Ela é uma das líderes do mercado de financiamentos ao consumo. Conta com uma pequena rede de 60 pontos de venda, R$ 3,5 bilhões em empréstimos e dez mil lojas cadastradas, e uma sólida lista de clientes, cujo nome mais vistoso é a Máquina de Vendas, formada pelas redes de Ricardo Eletro, Insinuante e City Lar. “A Losango tem uma marca sólida no varejo popular e uma operação rentável e sem problemas”, diz Erivelto Rodrigues, Sócio da consultoria especializada em bancos Austin Asis. Vale a pena vender? 

 

“A Losango é uma excelente operação e ainda está sendo avaliada”, limita-se a dizer Engel. Quem acompanha os negócios na luxuosa sede do banco na zona sul de São Paulo sabe que essas declarações têm sua dose da fleugma britânica. Bradesco e Itaú olharam os números da Losango, e pelo menos um deles apresentou uma proposta firme, considerada baixa demais pelos ingleses. Por isso, as negociações entraram em um ritmo lento, embora não tenham parado. Caso um comprador esteja disposto a assinar um vultoso cheque, o negócio sai. “Comprar ou vender é, no fim das contas, uma questão de preço”, diz Engel.

 

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