12/05/2022 - 11:10
A ONG Human Rights Watch (HRW) denunciou nesta quinta-feira (12/05) o uso de táticas legislativas e políticas nocivas para enfraquecer e até proibir a educação sexual e sobre gênero no Brasil. Em relatório, a organização de direitos humanos analisou 217 projetos e leis, entre 2014 e 2022, destinados a banir esses temas da sala de aula e investigou o impacto da pressão a professores.
“As tentativas de suprimir a educação integral em sexualidade no Brasil são baseadas em preconceito e prejudicam os direitos à educação e a não discriminação”, afirmou Cristian González Cabrera, pesquisador da divisão de direitos da HRW. “Os legisladores devem revogar leis e rejeitar projetos de lei que violem os direitos das crianças e adolescentes e garantir que todos se beneficiem da educação sexual de acordo com as leis brasileiras e internacionais.”
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Segundo o relatório de 77 páginas, em todo o Brasil mais de 200 projetos de lei, desde 2014, foram apresentados para banir ou até mesmo criminalizar os conceitos-chave de “gênero” e “orientação sexual” em todas as áreas da educação, apesar da obrigatoriedade da educação integral em sexualidade prevista na legislação. Das propostas, 47 foram aprovadas e ao menos 20 ainda estão em vigor.
A HRW lembra que, em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisões históricas derrubando oito leis que proibiam a educação sobre gênero e sexualidade, ao considerar que elas violavam os direitos à igualdade, à não discriminação e educação.
Apesar desta sentença, vereadores em todo o país continuam aprovando e sugerindo leis nesse sentindo. Como exemplo, o relatório cita a cidade de Sinop, no Mato Grosso, onde em 2022 foi aprovada uma lei proibindo professores de divulgarem informações sobre a suposta “ideologia de gênero”, orientação sexual e direitos sexuais e reprodutivos em todas as escolas municipais.
“No Brasil, grupos conservadores e representantes eleitos têm empregado a retórica da ‘ideologia de gênero’ para alimentar alegações de ‘doutrinação’ de crianças em escolas com ideais ‘políticos’ e ‘não neutros’ relacionados a gênero e sexualidade. Ao provocar o medo de que as crianças estejam em risco devido a informações ‘perigosas’, esses atores continuam a usar a educação como plataforma política dentre segmentos conservadores da população”, afirma o relatório.
Fins políticos
Um dos principais movimentos que tentam silenciar o direito à educação sexual no Brasil é o Escola Sem Partido, fundado em 2014. O grupo adotou o termo “ideologia de gênero” – expressão sem base acadêmica usada para desqualificar pesquisas que ajudam a corrigir desigualdades e discriminações no cotidiano – para promover sua campanha.
Segundo a organização, o presidente Jair Bolsonaro é um dos grandes apoiadores dessa campanha e se apropriou do tema para fins políticos. A HRW destaca o longo histórico de Bolsonaro contra a educação sexual, bem como mentiras proferidas por ele para promover a desinformação, como o suposto “kit gay” e a “mamadeira de piroca”.
Além de Bolsonaro, o documento cita os ministros da Educação que adotaram a mesma retórica presidencial, além de campanhas promovidas pela ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves visando a perseguição de professores.
O relatório indica que essa retórica agressiva, o assédio moral e as iniciativas legislativas impactam indiretamente as escolas. Segundo especialistas em educação, é criado com isso um “efeito inibidor” na disposição de alguns professores para abordarem o tema em sala de aula.
Para o relatório, a HRW ouviu 56 professores de escolas públicas, especialistas em educação, representantes de secretarias estaduais de Educação e organizações da sociedade civil.
Medo em sala de aula
As entrevistas com 32 professores de escolas públicas de oito estados do Brasil revelaram que esses profissionais têm medo ou hesitam abordar gênero e sexualidade em sala de aula devido aos esforços legislativos e políticos para desacreditar tal material.
“Vinte dos professores sofreram assédio por abordar gênero e sexualidade entre 2016 e 2020, inclusive por representantes eleitos e membros de sua comunidade nas mídias sociais e pessoalmente”, diz o texto, acrescentando que alguns educadores foram inclusive intimados a prestar declarações à polícia, ao Ministério Público ou às secretarias de Educação.
Entre outros, o documento conta a história de Virginia Ferreira, professora de inglês em Vinhedo, no interior de São Paulo. Ela foi acusada por funcionários municipais depois de pedir a alunos do oitavo ano que pesquisassem sobre feminismo e violência de gênero em comemoração ao Dia da Mulher em 2019. A acusação rendeu processos disciplinares e ameaças nas redes.
Direito à informação
No relatório, a HRW lembra ainda a importância da abordagem desses conteúdos em sala de aula. “Em sua essência, a educação integral em sexualidade consiste na oferta de um currículo de ensino apropriado a cada idade, com conteúdos afirmativos e cientificamente precisos, que possam ajudar a promover práticas seguras e informadas visando prevenir a violência baseada em gênero, desigualdade de gênero, infecções sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada.”
A ONG instou as autoridades nos níveis federal, estadual e municipal a pararem de politizar a educação sobre gênero e sexualidade ou usá-la como uma estratégia para ganho político. “O Brasil deve concentrar seus esforços em garantir que todos os jovens tenham informações adequadas e inclusivas sobre gênero e sexualidade, essenciais para que possam viver uma vida saudável e segura”, ressaltou González.
cn/ek (Lusa, ots)