A persistência da inflação no começo do ano enxugou o otimismo sobre o ciclo de corte de juros nos Estados Unidos e injetou volatilidade em Wall Street. Passado o susto inicial, no entanto, o mercado volta a ter visão mais construtiva sobre as perspectivas para as bolsas de Nova York, diante do entusiasmo ligado à inteligência artificial e a expectativa de que o Federal Reserve (Fed) eventualmente promova a guinada para uma postura mais frouxa.

O quadro se traduziu em um rodada de revisões positivas para o índice S&P 500 nos últimos dias. Segundo levantamento da FactSet, a mediana do preço-alvo para a referência está em 5.893,38 pontos, comparado com 5.799,47 pontos no final de abril. O desempenho representaria um salto de 11% ante a cotação de fechamento ontem.

A avaliação geral é de que a desaceleração da maior economia do planeta não deve ser suficiente para ameaçar a narrativa do “pouso suave” – fenômeno que descreve o controle dos preços sem um dano significativo à atividade. Sem a temida recessão, as empresas tendem a continuar a exibir balanços fortes, com expansão sólida da receita e das margens de lucro.

Um prenúncio do cenário esperado à frente parece ter se desenhado nas últimas semanas. Dados de emprego em abril mostraram um esfriamento do mercado de trabalho nos EUA, enquanto o repique da inflação no primeiro trimestre se dissipou. Com isso, os três principais índices de Nova York renovaram sucessivos recordes históricos, com o Nasdaq acima dos 17 mil pontos.

Houve certa instabilidade em meio à postura ainda cautelosa de dirigentes do Fed, mas o balanço da Nvidia, na última quarta-feira, revigorou a euforia em relação à IA. “Suspeitamos que o múltiplo de lucro por ação futuro de 12 meses do S&P 500 aumentará à medida que o hype da IA crescer”, avalia a Capital Economics.

Sob esse contexto, o Deutsche Bank elevou o alvo para o S&P 500 no final deste ano para até 5,5 mil pontos, comparado com 5,1 mil pontos previsto anteriormente. Para o banco, a reaceleração da inflação foi um reflexo dos efeitos secundários, menos associados a questões de fundamento.

Ao mesmo tempo, a instituição elevou sua projeção para o lucro por ação (EPS) das companhias do índice, de US$ 2,50 para US$ 2,58, um avanço de 13% ante 2023. “Embora todo o crescimento possa não se concretizar este ano, vemos a confiança do mercado numa recuperação contínua aumentando até o final do ano, apoiando os múltiplos de ações”, afirma.

A equipe liderada pelo estrategista Bankim Chadha reconhece que há potenciais focos de risco para os negócios acionários no radar. Em particular, cita o quadro geopolítico incerto e as dúvidas sobre as eleições presidenciais nos EUA, que podem induzir uma busca por proteção. Mesmo assim, a possibilidade de um ganho de produtividade pelo avanço da IA pode ajudar positivamente, de acordo com a análise.

Setorialmente, o banco atribui recomendação overweight (otimista) para papéis do segmento financeiro, diante da aposta em uma retomada da concessão de crédito. Energia aparece como uma orientação neutra, uma vez que as perspectivas dependerão da evolução dos preços de petróleo e do dólar.

Morgan Stanley e BMO também construtivos

A nova onda de confiança em Wall Street atingiu até mesmo as figuras mais pessimistas. A equipe do Morgan Stanley chefiada pelo estrategista Michael J. Wilson, que antes esperava uma desvalorização do S&P 500, agora vê o índice em 5,4 mil no horizonte de 12 meses. A visão reflete principalmente a projeção de que os lucros subirão em ritmo saudável tanto em 2024 quanto em 2025.

Mesmo assim, o banco americano chama atenção para a crescente dificuldade em se antecipar ao ambiente macroeconômico. A inflação nos EUA tem se mostrado “acidentada” no comparativo mês a mês e a atividade dá algum sinal de arrefecimento. Essa realidade se espelha na recomendação da Casa para que investidores busquem ações de qualidade cíclicas e de crescimento. O grupo também recomenda papéis de consumo básico em detrimento dos de consumo discricionário.

Entre os destaques, o Morgan Stanley melhorou o setor industrial para overweight, após a desvalorização recente fornecer uma oportunidade de entrada atraente. “Vemos este recente desempenho negativo como uma consolidação saudável após um temporada de lucros mistos e uma rotação mais ampla para áreas mais defensivas do mercado”, explica.

Ainda mais confiante, o BMO Capital Markets elevou o preço-alvo do S&P 500 no fim de 2024, de 5,1 mil para 5,6 mil pontos. O banco de investimentos admite ter subestimado o ímpeto positivo do mercado acionário, principalmente porque agora a precificação de investidores para os juros do Fed está alinhada com a dos dirigentes.

“Embora ainda esperemos que haja um retração mais significativo em algum momento, é provável que ela ocorra em um nível muito mais alto do que previmos anteriormente, o que significa que a eventual recuperação também começará em uma base mais alta”, pontua.