04/07/2025 - 7:00
Mais de dois anos depois do lançamento do ChatGPT, a conversa sobre inteligência artificial deixou de girar apenas em torno da ferramenta. Agora, a discussão é sobre como a tecnologia cria novas formas de trabalho, e como as empresas podem desenvolver soluções inovadoras a partir dela.
Para Ian Beacraft, especialista em IA e fundador da Signal and Cipher, o impacto será tão grande quanto o da revolução digital – mas com velocidade muito maior. “O jeito que vamos trabalhar com IA nos próximos cinco a sete anos será quase irreconhecível em relação ao de hoje”, afirma.
Em entrevista exclusiva ao Bora Investir, ele explica sua visão de como a inteligência artificial irá moldar o setor financeiro.
Bora Investir: A conversa sobre IA mudou muito nos últimos anos, e desde o ChatGPT o burburinho se intensificou. Como você vê a IA hoje? Como separar o hype do que é realmente oportunidade?
Ian Beacraft: Tivemos dois anos para nos acostumar com a ideia de trabalhar com chatbots como o ChatGPT e o Copilot. Agora existem várias ferramentas diferentes. Não se trata mais apenas de uma ferramenta específica, mas de uma nova forma de trabalhar. E estamos começando a ver os contornos de como o trabalho em si vai mudar, e isso não acontece apenas em um setor, acontece em todos os setores.
O que estamos começando a entender é que a IA não adiciona simplesmente uma ferramenta por cima de processos que já existiam. Pensar de verdade no próximo paradigma do trabalho exige que pensemos no que estamos realmente tentando realizar. É preciso pensar qual é o propósito do que eu faço. Por que estamos fazendo as coisas da forma como fazemos? Qual é o objetivo final do que queremos alcançar? É preciso pensar dessa forma e então ver como poderíamos redesenhar o trabalho, e então pensar em como impulsionar isso com IA.
Mas o que geralmente acontece nas empresas é o oposto disso. As empresas apenas adicionam a ferramenta de IA, dão acesso às pessoas. E é assim que começamos. Mas assim como vimos nos últimos 25 anos de revolução digital, não fazemos hoje exatamente a mesma coisa que antes, em outro formato.
Se você olhar para as bolsas de valores como a B3, nós mudamos completamente o ambiente no qual as transações acontecem. A velocidade, a escala, a natureza disso, a programabilidade dos mercados mudou o que é possível de se fazer. E isso aconteceu ao longo de 30 anos.
Acredito que vamos ver algo semelhante com a IA, mas em um prazo ainda mais curto. Esse tipo de mudança pode acontecer nos próximos cinco a sete anos. E isso significa que as formas como estaremos trabalhando com IA nesses cinco a sete anos serão fundamentalmente diferentes das de hoje.
Então, para as pessoas que estão tentando entender o que isso significa para elas, eu as encorajaria a perguntar: como eu faço meu trabalho? O que é valorizado no meu trabalho? E se eu fosse fazer isso da maneira mais otimizada possível hoje, seria exatamente como é feito? Acho que a maioria de nós responderia que provavelmente não. Existem coisas que são ineficientes e foram construídas para o paradigma anterior, a era digital. E estamos avançando muito, muito rapidamente para a era da IA.
Bora Investir: E como você acha que a IA vai mudar o mercado financeiro nos próximos cinco ou sete anos, como você mencionou?
Ian Beacraft: Neste momento, a maioria dos produtos e serviços financeiros é baseada em dados históricos, baseada em backtesting e em previsões baseadas em dados passados. Acho que vamos caminhar para algo menos centrado em previsões, mas mais focado em ser um mercado generativo. Um pouco como vimos a análise preditiva em diversos setores. Agora estamos na era da IA generativa, em que a IA realmente produz conteúdo.
Acredito que, nos próximos cinco anos, veremos uma convergência de tecnologias: blockchain, IA, contratos inteligentes impulsionados por IA e governança digital, em que reguladores também trabalharão com agentes e IA para regular e aprovar produtos. Você poderá trabalhar com IA para perceber mudanças no mercado e também para atender e construir produtos em tempo real, para atender certos nichos, certos consumidores, bem como criar produtos que possam ser lançados no mercado em um ritmo muito mais rápido do que é possível – ou mesmo imaginável – hoje.
Parece ficção científica, mas os blocos de construção já estão começando a ser colocados.
Bora Investir: Quais são os desafios que você vê as empresas enfrentando hoje? Apesar de a IA trazer muitas oportunidades, o custo ainda é elevado.
Ian Beacraft: Em relação aos obstáculos e desafios, como acontece com qualquer tecnologia emergente, geralmente existem mais desafios do que oportunidades no começo. E isso começa a mudar à medida que a infraestrutura é construída e as pessoas são treinadas nessas tecnologias. Essas são as duas coisas que precisam acontecer em massa para que possamos, de fato, abraçar essa tecnologia. Até lá, vamos ouvir muito sobre o potencial, mas será difícil para as pessoas se relacionarem com isso.
Então, um desafio é o nível de conhecimento sobre o que a IA pode ou não pode fazer e o que realmente é IA no ambiente de trabalho. Nem todo mundo tem treinamento nisso, e nem todos sequer têm acesso à IA. É preciso ampliar o acesso, dar exposição frequente e chegar a um ponto em que isso faça parte do cotidiano das pessoas – é aí que as oportunidades se tornam muito mais claras.
O outro ponto é o custo. Trabalhar com essas ferramentas via licenciamento é proibitivamente caro, por isso geralmente incentivamos as empresas a utilizarem APIs. Mas mesmo assim, é preciso mudar a mentalidade para que todos passem a usar as ferramentas e entender essa nova forma de trabalhar, porque trabalhar com chatbots é diferente de usar as ferramentas que as pessoas já conhecem. Exige mudança de mentalidade, treinamento especializado e, eventualmente, exige chegar a um ponto em que os próprios colaboradores consigam criar produtos e ferramentas para o trabalho que estão fazendo com IA.
Isso já é possível – e também é possível sem ter muito conhecimento técnico. É o que acho realmente fascinante. Mas há muitos obstáculos para chegar lá. Técnicos, no sentido de conhecimento e educação, e de infraestrutura. Todas essas são coisas que levam tempo e dinheiro para serem implementadas.
Bora Investir: Quais setores você acredita que mais se beneficiarão da IA?
Ian Beacraft: Acho que o setor de serviços financeiros está pronto para uma enorme transformação. O varejo também, assim como o setor de logística. Esses setores sempre dependeram fortemente de dados para movimentar seus negócios, e por isso já têm a infraestrutura voltada para big data.
Também acredito, de forma talvez contraintuitiva, que setores regulados estão muito bem-posicionados para tirar proveito da nova tecnologia, porque a IA em si será regulada, e as empresas que nunca estiveram nesse espaço terão que aprender a navegar na regulação pela primeira vez. Enquanto isso, indústrias que já têm muita experiência com regulamentação conseguirão lidar com isso como qualquer outro dia.
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