12/05/2004 - 7:00
O fundador da IBM, Thomas Watson, ficaria à vontade entre o grupo de acionistas reunido no final de abril nos Estados Unidos para um encontro com o atual presidente da companhia, Samuel Palmisano. Durante trinta minutos, Palmisano comentou os resultados do ano passado ? o faturamento chegou a US$ 89 bilhões e a distribuição de dividendos será de US$ 5,4 bilhões ? e revelou as estratégias futuras. Ele centrou o discurso em três princípios: dedicação aos clientes, compromisso com a inovação e respeito ao indivíduo. Nada diferente das idéias de Watson, que montou uma empresa de balanças de precisão no século passado e junto com o filho a transformou em um negócio avaliado hoje em US$ 151 bilhões. A IBM nunca esteve tão viva e disposta a continuar sendo a gigante global de tecnologia. Com 320 mil empregados em 165 países, o dobro da segunda colocada nesse quesito, a americana Hewlett-Packard, a companhia quer continuar com a capacidade de antecipar as necessidades dos clientes e as tendências de mercado. ?Não somos os mesmos de alguns anos atrás?, afirmou Palmisano no evento de abril. ?Estamos mudando o nosso modelo de negócio lentamente, mas de maneira substantiva?, disse o executivo, dono de um salário anual de US$ 7,9 milhões. Então, qual é este novo caminho da IBM?
Dessa vez, a crença é no mundo no qual os mainframes, aqueles computadores de grande porte responsáveis por operações complexas nas corporações, seguirão sendo a base operacional do capitalismo mundial ? conectados a rede de computadores movidos a software livre (como o Linux) e não mais a pagos e exclusivos como os da Microsoft. A dupla estratégia se justifica pelo fato de na área de mainframes, a IBM ser tão monopolista quanto a Microsoft é nos computadores pessoais. Só dos três maiores bancos brasileiros, a IBM recebe um aluguel de cerca de US$ 240 milhões anuais por licenças de softwares utilizados nos equipamentos. Numa comparação direta, a Microsoft Brasil tinha um contrato de licenciamento com o banco Itaú de cerca de US$ 10 milhões por ano. No resto do mundo, a hegemonia IBM se repete. Empresas japonesas e americanas tentaram em alguma época fazer frente ao poderio da IBM, mas fracassaram porque a empresa levou vantagem da base instalada. Para medir tamanho poderio um exer-
cício se faz necessário. Se por algum acaso os mainframes da marca IBM fossem atingidos por um vírus como os PCs normais haveria um risco de colapso na economia mundial. A boa notícia é que fazer um vírus para um equipamento desse é uma operação complicada porque exige um sofisticado conhecimento tecnológico que invalidaria a relação custo e benefício.
O avanço da IBM deve ser levado em consideração pelos concorrentes, incluindo a própria Microsoft. ?A maior vantagem dessa companhia é que no seu DNA existe o gene da reinvenção?, afirma o ex-presidente da subsidiária brasileira, Antônio Rego Gil, e atual diretor da CPM, a empresa de serviços de tecnologia do Bradesco e do Deutsche Bank. A atual situação da IBM deve-se em grande parte ao ex-presidente mundial Louis Gerstner. Ao assumir o cargo em 1993, a IBM estava perto de ter um prejuízo de US$ 16 bilhões. Gerstner, que era um corpo estranho ao setor ? ele havia trabalhado na American Express e RJR Nabisco, do atual grupo Kraft ?, conseguiu salvar o negócio e garantir a Palmisano a atual tranqüilidade. Um dos méritos de Gerstner foi identificar que o futuro da IBM estava ligado aos mainframes e à prestação de serviços. ?Foi uma época difícil porque não ouvíamos o que os nossos clientes pediam?, afirmou à DINHEIRO o atual presidente da IBM no Brasil, Rogério Oliveira (leia a entrevista). Os clientes queriam agilidade. O elefante não conseguia se movimentar. Os clientes queriam inovação. A IBM estava presa ao passado. ?Agora, ouvir os parceiros foi incorporado à corrente sangüínea da companhia?, disse Oliveira.
Dessa vez, o chamado é na direção do Linux. A IBM avalia que o poder de processamento concentrado hoje em cada PC nos escritórios e nas casas passará um dia para a internet. E nesse mundo o Windows perderá a hegemonia porque ninguém precisará ter no seu PC tanto software instalado. Tudo será feito na rede. Quanto mais sofisticada ficar a internet mais ela precisará de máquinas capazes de oferecer respostas na fração de segundos. Para segurar tanto tráfego, a IBM aposta que os mainframes estarão na ponta. A parte irônica dessa situação é que a tecnologia criada há mais de 40 anos e que teve sua morte decretada inúmeras vezes pode ser o futuro. Como Thomas Watson gostaria.
?OPORTUNIDADES QUE TRANSCENDEM QUESTÕES IDEOLÓGICAS?
O presidente da IBM Brasil diz que os negócios dos
próximos anos estarão no Brasil, China, Rússia e Índia
ROGÉRIO OLIVEIRA:
Prestígio na corporação
O atual presidente da IBM Brasil, Rogério Oliveira, está bem cotado na corporação. A subsidiária brasileira figura entre as 10 mais importantes das 165 operações existentes no mundo. Veja entrevista a seguir.
DINHEIRO ? O governo prefere softwares abertos, como o Linux. O sr. está otimista com esse cenário?
Rogério Oliveira ? As oportuni-
dades em relação ao Linux trans-
cendem a questões ideológicas. Elas estão completamente ligadas à necessidade crescente do mundo corporativo de interconectar-se e integrar os diversos componentes da sua cadeia produtiva. O Linux passa a ser a opção natural para tornar isso possível.
E qual a situação da IBM Brasil dentro da estratégia global da companhia?
Nos últimos cinco anos, o Brasil está entre as 10 principais operações da IBM no mundo. No final do ano passado, fomos escolhidos pela matriz junto com a China, Índia e Rússia como
um dos quatro países que oferecem grandes oportunidades de negócios e onde a matriz pretende investir para acelerar o seu crescimento. Se levarmos em conta que a IBM opera em 165
países em todo o mundo, estar nesse grupo dos quatro demons-
tra o peso que temos na organização.
A concorrência não poderia atrapalhar essa estratégia?
A IBM é uma empresa que oferece serviços completos aos seus clientes e nesse caso fica difícil identificar um concorrente espe-
cífico. Ninguém no mercado tem hoje uma capacidade tecnológica tão desenvolvida quanto a IBM, em função dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento de produtos feitos nos últimos anos.
E a Microsoft? Não seria uma ameaça?
Não. A Microsoft concorre conosco na área de software.
TRADIÇÃO
Das balanças aos mainframes
ANOS 20
Thomas Watson monta empresa de balanças de precisão na qual o princípio é a qualidade na prestação de serviços aos clientes
ANOS 50
A prática do pleno emprego é consolidada. Ninguém é demitido e os funcionários são estimulados a falar abertamente com os chefes
ANOS 60
Watson Jr investe US$ 5 bilhões na
fabricação do primeiro mainframe e
contrata 60 mil novos empregados
ANOS 70
No Brasil, época do milagre econômico,
a empresa consolidou nas empresas e
no governo a base de mainframes
ANOS 80
Os executivos da companhia ignoram o fenômeno dos PCs. Gates ganha milhões
com o DOS, o seu sistema operacional
ANOS 90
Gerstner assume a presidência e
promove uma das mais radicais viradas
na história da IBM, que volta ao azul