03/11/2000 - 8:00
Deixe um pouco de lado a sigla IBM. Esqueça, por ora, que a International Business Machine, a Big Blue, fez fama mundial como maior fabricante de computadores. Grave outras três letras: IGS, abreviação para a área de serviços globais da companhia. Mais que uma unidade de negócios, a nova sigla é responsável pela grande virada da história de 80 anos da empresa americana. O IGS está trazendo a IBM de volta ao topo do mercado, transformando-a numa empresa de serviços voltados à tecnologia em todos os campos ? do suporte de rede à Internet, passando pelo armazenamento de dados, consultoria para negócios on-line, hospedagem de sites e até biotecnologia. É o que os americanos definem como Tech-Service. Em pouco mais de dois anos de existência o IGS já responde por 36% do faturamento de US$ 87 bilhões da Big Blue. Em cinco anos, acredita o presidente mundial, Louis Gerstner, a divisão estará próxima dos 50% de participação nos resultados. Mais: somente no último trimestre, a IBM conseguiu contratos no valor de US$ 20,3 bilhões. Na última semana, outro grande acordo: fornecerá software e manutenção de rede à NTT, maior operadora telefônica do Japão. É um negócio de US$ 13,7 bilhões. A mudança na companhia é profunda. A nova unidade vem crescendo a uma média de 10% ao ano. Para cada US$ 1 em venda de hardware, a IBM está gerando outros US$ 4 em serviço. Os dados são da consultoria Sanford C. Bernstein & Co. Fazendo-se a mesma conta com os rivais, chega-se a seguinte equação: a Sun gera US$ 0,24; a Compaq, US$ 0,47; a HP, US$ 1,52. Diante disso, os concorrentes estão se mexendo. Sun e Dell correm para montar uma divisão de serviços. A HP adquiriu recentemente parte de Price Waterhouse Coopers para fazer o mesmo e a Compaq tenta adequar sua coligada Digital Equipament para tirar a diferença em relação à IBM. Por que a pressa? Em três anos este mercado estará movimentando US$ 585 bilhões, de acordo com o International Data Corp, IDC.
A nova IBM está atuando em todas as pontas do e-business. Desde ajudar clientes a criar novos modelos de negócios via Internet e fazer projetos de B2B até administrar, ela mesma, as operações on-line das empresas. É a parte de terceirização de serviços. A empresa criou uma dezena de centros de excelência tecnológica em todo o mundo. Deles, um grupo de especialistas está habilitado a aconselhar companhias dos mais diversos setores em assuntos como segurança na rede, contatos via web com fornecedores e desenvolvimento de tecnologia wireless (sem fio). O grupo criou, por exemplo, um sistema que permite aos passageiros da Swissair fazer o check in de seus vôos por meio do celular. Além disso, estes centros são capazes de monitorar tudo o que acontece na rede dos clientes. No Brasil, por exemplo, a unidade de Hortolândia (SP) consegue ?enxergar? 40 mil pontos que contenham algum computador, desde um micro a uma rede completa. É possível aos técnicos da IBM saberem qual software está sendo utilizado, ligar ou desligar os computadores por controle remoto, descobrir se alguém está usando jogos ou qualquer outro aplicativo prejudicial ao equipamento e até detectar possíveis furtos aos componentes da máquina. Há ainda serviços inovadores como turbinar a potência dos computadores via web. Imagine uma empresa de varejo trabalhando a pleno vapor em virtude do Dia das Mães. A velocidade de processamento de sua rede tem de ser duplicada ou triplicada. A IBM, por meio da Internet, consegue dar mais potência ao equipamento graças a um microcódigo que a conecta ao sistema do cliente, ativando uma memória extra. ?Atendemos qualquer cliente, em qualquer lugar, a qualquer tempo. O mundo ficou pequeno para nós?, festeja Fernando Mitri, presidente da IBM Brasil.
A divisão de serviços causou impacto imediato em todas as filiais. No Brasil, apenas uma das subdivisões da área, a de terceirização, capturou 40 clientes em dois meses, entre eles a Kodak e Varig. No final de outubro, a IBM e a provedora de serviços de rede Diveo Broadband fizeram acordo de US$ 120 milhões na área de armazenamento de dados na América Latina. A IBM vai utilizar os datacenters da Diveo em São Paulo, Buenos Aires e Cidade do México para atender seus clientes e, em troca, dará suporte técnico às empresas da Diveo. Também venceu, em parceria com a Ariba, a concorrência para dar o respaldo tecnológico ao portal Webb, recém-criado pelo grupo Macal, de Antônio Dias Leite. ?Fizemos ainda um aporte de capital de US$ 500 milhões?, anuncia Mitri. O montante será aplicado em infra-estrutura, na ampliação da fábrica de Hortolândia, em pessoal, treinamento, enfim, tudo o que for necessário para se adequar à nova filosofia da matriz. ?De todas as filiais, talvez nós sejamos a mais parecida com a sede, até porque as características de mercado, guardadas as proporções, são semelhantes?, diz Mitri. ?Somos um microcosmo da IBM global?, define. E o microcosmo está cumprindo à risca as recomendações da corporação. Em 1999, segundo o IDC, a empresa foi líder no setor de serviços de tecnologia. Faturou US$ 484 milhões, pouco mais de 10% do mercado total. As vendas da IBM foram duas vezes superiores à da segunda colocada, a Unisys.
Por trás da mudança nos negócios, há uma nova postura dentro da IBM. Por exemplo: a empresa nunca esteve tão aberta a parcerias. Foram mais de duas dezenas desde o começo do ano. Algumas alianças chegam a surpreender. Quem poderia imaginar a fechada IBM sentando à mesa com arqui-rivais como a Compaq ou a Dell? Com a primeira, fez um acordo para desenvolver e revender produtos de armazenamento de dados. Com a Dell, foi uma megaoperação de US$ 16 bilhões em que a Big Blue se torna a fornecedora principal de componentes para computador. A lista de alianças segue com Intel, Nokia, Cisco, Ericsson, AT&T e outros ícones do mundo da tecnologia. O interesse neste caso é na dobradinha Internet?telefonia. Toda essa movimentação é um claro sinal de que as coisas estão mudando dentro da corporação. Durante muito tempo, a IBM insistiu em fazer tudo sozinha e tentar depois vender sua idéia ao resto do mercado. Percebeu, agora, que trabalhar em conjunto com outras empresas facilita, entre outras coisas, a criação de padrões que as demais companhias do ramo possam licenciar e usar. ?Estamos acatando definitivamente os padrões abertos. A razão é simples: o patrimônio do cliente não é o computador, mas sim as aplicações?, diz Mitri.
O arquiteto desta mudança na IBM é um senhor discreto, de 58 anos, chamado Louis Gerstner. Ele chegou à companhia em 1993, num período em que a Big Blue vivia uma crise existencial sem precedentes. O próprio Mitri reconhece que era uma fase de rearrumação de identidade muito forte (leia box). Gerstner havia sido contratado junto a Nabisco e quando abriu as portas do QG da IBM ouviu nos corredores algo do tipo: ?O que ele faz aqui? Ele entende é de biscoito?. Errado. Gerstner entende de negócio, de relação com cliente, de parcerias, enfim, de tudo aquilo que move uma companhia e a coloca em sintonia com as necessidades de mercado. Era exatamente isto que faltava à Big Blue. A empresa tinha tecnologia de ponta, laboratórios eficientíssimos, teoria em abundância. Faltava alguém para direcionar tanto conhecimento. Lou Gerstner não deixou o bonde on-line passar e também não pegou carona só para fazer o óbvio. Agregou serviços, inventou departamentos. Até uma unidade para desenvolver sistemas de leitura do código genético humano foi inventada. É a Life Sciences. Gerstner fez a corporação enxergar que mainframes (computadores de grande porte) e outros produtos só ganham força se andarem de mãos dadas com a parte de serviços. Ele quis uma IBM pensando no suporte, na infra-estrutura, no e-business. Tanto que algumas unidades, incluindo o Brasil, terceirizaram a produção.
Aqui e nos Estados Unidos, a tarefa foi entregue à Solectron. A empresa é responsável pela montagem e configuração de PCs, servidores e sistemas de automação industrial. ?É uma tendência mundial da IBM?, revela Mitri. O primeiro resultado da parceria IBM-Solectron é um produto que casa perfeitamente com esta nova fase: o PC Netvista. Ele permite acesso rápido à Internet, com configurações simples e de fácil utilização.
Enquanto a Solectron cuida da montagem, a IBM investe pesado no fornecimento de tecnologia para a parceira. Gastou US$ 5 bilhões em uma fábrica de chip nos Estados Unidos, e está ampliando a unidade do Japão. ?A IBM está em todas as fases do mundo digital?, afirma Mitri. Ainda assim, os pregões reagiram negativamente ao desempenho da companhia. Pouco depois de a IBM divulgar seus resultados, no último dia 19, o preço das ações caiu. A rentabilidade foi aquém das expectativas. ?Precisamos melhorar nesse sentido. Talvez por todas as mudanças, o mercado esperasse algo maior em termos de rentabilidade?, comenta o presidente da filial brasileira. ?Mas mudar a história de uma companhia de 80 anos e US$ 87 bilhões não é tão simples e instantâneo quanto parece.?
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A MUDANÇA SEGUNDO MITRI |
O presidente da IBM Brasil, Fernando Mitri, recebeu a reportagem de DINHEIRO na segunda-feira, 30, para falar sobre a nova fase da empresa. Eis os principais trechos: DINHEIRO ? A IBM entra na era dos serviços. Como foi o processo de mudança? DINHEIRO ? Pela primeira vez, a empresa começou a fazer parcerias com rivais históricos. Houve uma mudança de postura? DINHEIRO: Quanto a IBM Brasil investiu para se adequar à filosofia da matriz? |