Muito antes da ajuda financeira e bélica às tropas aliadas e do ataque japonês à base naval de Pearl Harbor em 1941 ? fato que colocou as forças americanas diretamente nos campos de batalha ?, os Estados Unidos já estavam envolvidos com a Segunda Guerra Mundial. E, surpreendentemente, do lado do Terceiro Reich. Na última segunda-feira 12, após dez meses de absoluto sigilo, o jornalista Edwin Black colocou uma bomba nas livrarias de dezessete países, entre eles o Brasil. Seu livro IBM e o Holocausto mostra, 60 anos depois, como a poderosa fabricante americana abasteceu o regime nazista com equipamentos que viabilizaram a engrenagem de perseguição e extermínio de seis milhões de judeus. A IBM, segundo o livro, fornecia, através de sua subsidiária Deutsche Hollerith Maschinen Gessellschaft (Dehomag), máquinas de tabulação de dados em cartões perfurados conhecidas como Hollerith. A tecnologia teria permitido ao governo alemão identificar nome, religião, características físicas, residência, enfim, tudo que se referia aos judeus. A tese de Black revela conexões surpreendentes nesta ajuda a Hitler. A operação envolvia o presidente da IBM, Thomas J. Watson ? que chegou a receber uma medalha de Hitler ?, o secretário de Estado americano, Cordel Hull, e o presidente dos EUA, Franklin Roosevelt. ?Enquanto outras empresas americanas romperam com a Alemanha, a IBM fez o contrário. Chegou a investir US$ 1 milhão em uma fábrica naquele país?, disse Black no lançamento do livro. Segundo ele, a eficiência do Terceiro Reich dependia da tecnologia da IBM.

?Este livro será uma leitura extremamente desconfortável.? Assim Black começa a contar sua história. A frase, na verdade, tinha uma abrangência muito maior, mas acertou em cheio o QG da IBM em Armonk, Nova York. Na semana passada, a empresa colocou de prontidão um exército de profissionais de comunicação para tentar explicar o episódio. Na terça-feira 13, um dia após o lançamento do livro, a companhia redigiu um comunicado oficial e distribuiu a versão aos seus 300 mil funcionários e à imprensa de vários países. Nele, classifica de horrendas as atrocidades nazistas e se coloca à disposição para esclarecimentos. O comunicado não evitou, no entanto, que a comunidade judaica levasse a IBM aos tribunais. Na mesma terça-feira, o advogado Michael Hausfeld entrou com uma ação pedindo indenizações compatíveis aos lucros que a empresa obteve na Alemanha. Estima-se que a IBM tenha embolsado US$ 10 milhões. Hoje, isto equivaleria a US$ 83,5 milhões. O cálculo é da Fundação Getúlio Vargas.

Os executivos da IBM têm consciência da gravidade da situação. A estratégia de administrar crises registra mais erros do que acertos no mundo dos negócios. Geralmente porque a solução tem impacto infinitamente menor do que o desastre, ou porque o remédio para o mal não existe. Foi assim quando a Union Carbide causou a morte de 3,4 mil pessoas com o vazamento de gás tóxico em Bhopal, na Índia. Apesar do esforço em reparar a tragédia, a empresa ainda hoje é lembrada pelo episódio.

É difícil mensurar o impacto dos desastres nas vendas da companhia. Haverá boicote contra a IBM? É possível. O que acontece em geral é uma queda brusca no valor das ações. Até a quarta-feira 14, porém, os papéis da IBM estavam intactos, cotados a US$ 115. O desempenho futuro das ações vai depender muito de como a história será conduzida e dos veredictos nos tribunais. A IBM, por enquanto, segue a linha do ?quanto menor a exposição menor o risco?. Em uma de suas raras manifestações, além do tradicional comunicado, a fabricante cita uma doação feita ao fundo mundial de vítimas do Holocausto, idéia do governo americano para defender de processos judiciais as empresas que tinham filiais na Alemanha durante a guerra. ?Voluntariamente?, as companhias colaboraram com o fundo, que hoje soma US$ 5 bilhões. A IBM deu US$ 3 milhões. Mas, após o livro de Black, não teve como escapar da Justiça. É bem verdade que assim como outras ações de violação aos direitos humanos, processos relativos ao Holocausto geralmente enfrentam falta de provas. Mas a regra entre as empresas é pagar para não ver ? uma forma rápida de tentar evitar maiores arranhões na imagem.

Especialistas em administração de crises dizem que é necessário agir em no máximo 48 horas. ?Se a espera for maior, a opinião pública já terá feito seu julgamento e a empresa terá dificuldades para recuperar a imagem?, diz o americano Ramiro Prudencio, presidente da empresa de comunicação Burson & Marsteller no Brasil e diretor de assuntos corporativos na América Latina. No quesito rapidez, a IBM parece ter agido conforme os manuais. Mas, aos olhos de analistas, pecou em um ponto crucial: a omissão do presidente Louis Gerstner. ?O principal executivo deve estar à frente de tudo?, diz Prudencio. ?Principalmente nas situações críticas?.

Enquanto a IBM busca meios para minimizar os efeitos de ações passadas, historiadores discutem as teses de Black. Franciszek Piper, chefe do departamento histórico do museu de Auschwitz, na Polônia, afirma que os nazistas dificilmente teriam usado as máquinas Hollerith para administrar o campo de concentração. ?Temos mais de 3 mil relatórios de sobreviventes de Auschwitz e não há nenhuma menção aos equipamentos?, afirma. Um artigo no Washington Jewish Week, porém, cita o depoimento do sobrevivente Jean-Frederic Veith no tribunal de Nuremberg: ?… Conseguia ver os prisioneiros que chegavam quando eu era convocado a trabalhar no escritório com a Hollerith…?. Norman Filkeinstein, autor do livro A Indústria do Holocausto, por sua vez, alerta para o que chama de lobby das organizações judaicas. ?Mais que uma indústria, é um conglomerado de indenizações?, disse, em entrevista à GloboNews. ?O Holocausto se transformou em uma arma para o jogo político e financeiro?.

Polêmicas à parte, o fato é que a própria IBM não nega a operação com a Alemanha na época da guerra que, diga-se, era a segunda mais rentável da companhia. Até tentou argumentar que a filial Dehomag estava sob controle dos nazistas. Black sustenta que, apesar disso, os EUA e subsidiárias da América do Sul participaram da operação na Alemanha.

O clima de sigilo que envolveu o lançamento do livro provocou uma publicidade tremenda. Para se ter uma idéia, editoras de 17 países tomaram conhecimento de que Black estava escrevendo uma história bombástica em maio de 2000. Lynne Rabinoff, agente do escritor, não revelou mais nada. Disse apenas que a obra seria mostrada na feira de Frankfurt, em setembro. Os representantes das 17 editoras, incluindo Paul Christoph, da brasileira Campus, foram apresentados ao IBM e o Holocausto e tiveram de assinar um termo de confidencialidade ali mesmo, em Frankfurt.?A primeira edição, de 13,5 mil livros, esgotou-se no primeiro dia?, revela Christoph. A IBM tem sérios problemas.