Popularizado há séculos, símbolo universal, à primeira vista, não aparenta o órgão humano real. Mas pesquisa recente revela que estudiosos podem ter baseado desenho em autópsias ainda na Idade Média e Moderna.O coração, ícone universal do amor e das emoções, é um símbolo que todos reconhecemos instintivamente – e pouco importa se ele se parece ou não com o órgão original.

Apesar de muitos pensarem que o símbolo do coração é uma mera abstração artística, um estudo recente sugere que poderia, sim, haver uma conexão anatômica fascinante por trás dessa representação artística, popularizada há mais de cinco séculos.

Desde a Grécia antiga, filósofos como Aristóteles relacionaram o coração às emoções e ao amor. Poetas e escritores da época, como o famoso Safo, também fizeram eco desta associação nas suas obras. Contudo, segundo o neurocirurgião e escritor holandês Pierre Vinken, a representação gráfica do coração tal como a conhecemos hoje, que se popularizou na Europa durante o século 16, parece ter sido inspirada nas descrições aristotélicas do órgão.

Outras teorias sugerem que o desenho clássico do coração representa a folha de uma espécie extinta de erva-doce gigante chamada silphium, usada na Grécia e Roma antigas como condimento, medicamento e contraceptivo. Especula-se também que possa derivar de formas anatômicas como seios ou nádegas, ou mesmo da folha de lírio ou da hera.

No entanto, um estudo recente publicado no Journal of Visual Communication in Medicine propõe uma teoria alternativa, relacionada com observações anatômicas precisas feitas na antiguidade.

Imagens angiográficas modernas e observação no passado

Usando a angiografia coronária, uma técnica moderna que utiliza um corante especial, uma observação sugere que a silhueta do coração poderia ter uma origem anatômica precisa.

Esta descoberta levanta a intrigante possibilidade de que os antigos anatomistas tenham vislumbrado este padrão muito antes de a ciência moderna o revelar. Os autores do estudo questionam-se se os estudos anatômicos realizados desde a época do físico grego Galeno (131-201) até o médico belga Andreas Vesalius (1514-1564), inclusive por artistas como Leonardo da Vinci e Michelangelo realizando autópsias para melhorar a sua compreensão da anatomia humana, poderiam ter influenciado a criação do símbolo do coração.

É possível que, usando técnicas rudimentares de moldagem da circulação coronária, esses primeiros estudiosos tenham observado um formato semelhante ao que reconhecemos hoje. A hipótese é que cientistas de antigamente já tivessem obtido forma semelhante, provavelmente injetando gesso nas artérias coronárias durante autópsias e depois transpondo a estrutura obtida para desenhos.

Embora esta teoria permaneça de natureza conjectural e sejam necessários mais estudos históricos para confirmá-la, os autores do novo estudo sugerem que pode ser “a hipótese mais plausível para explicar a correspondência exata das nossas imagens com a antiga imagem arquetípica do coração”.