Há uma máxima coletiva no meio corporativo de que uma reunião em que todos concordam é uma perda de tempo. E essa ideia é mais profunda e mais antiga do parece. Ela surgiu no século 19, quando o filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel passou a entender a dialética grega como fruto de uma oposição de ideias (tese e antítese) e que culminava em algo novo e extraordinário — a síntese. Esse entendimento deu aos pensadores de todas as áreas as armas necessárias para empreender transformações. Dois séculos depois, um garoto nascido em Israel e que cresceu no Brasil dividindo atenção entre números e futebol fez uso da dialética hegeliana para alçar voos incríveis. Ele não se contenta em dizer amém para conceitos e ideias que considera ultrapassadas. Tido como contestador do inconsciente coletivo do mercado, Ilan Goldfajn, que assume nos próximos dias o comando do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entra para o seleto grupo de banqueiros que consegue ser exitoso em toda a tríade: setor público, privado e multilateral.

Uma das marcas de Goldfajn é buscar escala para que suas ações e diretrizes sobre a economia alcancem milhões de pessoas. Se numa instituição privada a audiência era menor, num organismo internacional a potência aumenta. “Por sorte ou convicção própria eu contestava um consenso que se formava no mercado e em alguns momentos isso acabou funcionando”, disse Goldfajn à DINHEIRO.

Sem se deixar reduzir a rótulos como desenvolvimentista ou liberal, ele afirmou não possuir nenhuma filiação política, nem dogmas econômicos. “Só quero aprender pelo lado da ciência, dos dados, pela realidade e experiência.”

Durante sua passagem pela presidência do Banco Central, entre 2016 e 2019, o economista entendeu a responsabilidade de ter nas mãos a política monetária de um país fragilizado por uma sequência de crises. E, ao invés de se sentir pressionado, entendeu que seria o momento de assumir a responsabilidade. “O consenso em 2016 era que eu tinha de reduzir os juros logo”, disse. Ainda assim, a decisão foi por uma diminuição mais lenta e constante. “Quando eu terminei, todo mundo disse que foi bom ter segurado.” Em 2018 começou uma nova pressão, dessa vez para que Goldfajn voltasse a subir os juros, reflexo de um cenário de aumento das taxas pelo mundo, além das eleições no Brasil. “Mas eu dizia: por que terei que subir, se a inflação está baixa? Só vou o olhar o que está acontecendo com a nossa inflação, não o que está acontecendo no mundo.”

Essa postura diante das adversidades forma o que talvez seja o traço mais marcante de Goldfajn enquanto economista. E deverá delinear também sua nova empreitada. O BID, fundado em 1959 e com sede em Washington (EUA), representa 48 países, 26 deles das Américas e do Caribe, que recebem empréstimos da instituição. Os outros 22 países, que incluem também membros da Europa e o Japão, podem fornecer bens e serviços aos projetos de financiamento. Na prática, os recursos do banco tendem a beneficiar milhões de pessoas em nações emergentes das Américas por meio de programas de desenvolvimento econômico e social.

Isso foi determinante para a decisão de aceitar a presidência, segundo Goldfajn. “Muitos amigos perguntavam se deviam me dar parabéns ou pêsames por eu decidir sair da iniciativa privada. Eu sempre disse que esse era meu propósito.” Nesse momento, desafio no mundo é que não falta. Há uma escalada generalizada de preços e os bancos centrais mundo afora sobem os juros. “Há desafios grandes a serem enfrentados em 2023, mas eu estou pronto para, junto ao BID, encará-los”, disse o economista, que também foi diretor do FMI e viu de perto a importância de uma instituição global na transformação dos países. “O BID me dará mais oportunidade de tratar de assuntos como clima, juros, desigualdade social. É isso que eu quero.”

APORTES NAS AMÉRICAS Fundado em 195 e com sede em Washington (EUA), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) financia projetos em 26 países das Américas e do Caribe. (Crédito:Mario Roberto Durán Ortiz)

FUTEBOL E HIPERINFLAÇÃO Essa facilidade de transitar e ter êxito em tudo que se propôs a fazer é reflexo de uma geração de economistas forjada em um período difícil para o Brasil e para o mundo. Foi nesse período, inclusive, que ele desenvolveu uma paixão que ia além da matemática aplicada. O futebol. Flamenguista, além de acompanhar seu time do coração, ele também arriscava entrar em campo, em especial com os amigos na Praia Vermelha, no bairro da Urca, na cidade do Rio. “Eu jogava bem. Joguei no time da economia e depois no da universidade”, disse Ilan, sobre o período (1983-1988) em que estudava Ciências Econômicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na PUC-RJ (1990-1991), quando fez o mestrado, Goldfajn também tinha como parceiro o economista Marcos Lisboa (Insper) no futebol de salão. “Quando eu viajei para o exterior, eu era do time do MIT [até 1995] e no FMI [fev 1999 – set 2000]. E hoje ninguém acredita que eu jogava bola.”

Colega de turma do primeiro semestre de 1983, o professor da UFRJ e economista Cadu Young afirmou que, além “do futebol e de uma cervejinha”, a preocupação daquela geração era como acabar com a inflação. “Era um tempo de alta de preços e recessão. Teve até protestos e greve na UFRJ contra o governo Figueiredo”, disse. “Naquele momento, nossa campanha era contra o choque ortodoxo do FMI, mas a preocupação de estudo da inflação vai durar todo o período de graduação, como o foi o caso do Plano Cruzado [1986], que foi implementado enquanto estávamos na universidade. A inflação era inercial e isso vai durar bastante tempo até o Plano Real [1994]”, afirmou Young.

Desde então a economia brasileira seguiu oscilando. Alguns passos para frente, outros para trás. Desafios consecutivos, melhoras repentinas e crises inesperadas. “É preciso lembrar que após um ciclo bom pode vir um melhor. Mas também pode vir uma baixa”, disse Goldfajn. Uma síntese do que poderá ser sua gestão como presidente do BID.