10/01/2014 - 21:00
As primeiras cenas de “O Lobo de Wall Street” (Wall Street Wolf), mais recente filme do diretor americano Martin Scorsese, mostram a vida de Jordan Belfort, especulador do mercado acionário, protagonizado por Leonardo Di Caprio. São imagens de ganância, ostentação e depravação em todo o seu esplendor: casas, carros, iates, helicópteros, farras, prostitutas, drogas. No entanto, em um dos inúmeros momentos em que encara a câmera e fala diretamente com o espectador, Belfort resume bem sua filosofia, enquanto aspira uma quantidade assombrosa de cocaína. “Essa é a droga que me move todos os dias”, diz ele.
“Não, não a coca, esta aqui”, afirma, enquanto desenrola a nota de 100 dólares que usou como canudo. Essa é a tônica das quase três horas de “O Lobo de Wall Street”, em que Scorsese traça uma caricatura impiedosa do mercado dos especuladores que o movimentam, fazendo malabarismos com a ganância e o medo dos investidores. Se o dinheiro é Deus, então Jordan Belfort, um personagem de carne e osso de Nova York, em cuja autobiografia o filme de baseia, é um de seus profetas menos escrupulosos. De origem humilde, Belfort começou no mercado da maneira tradicional, trabalhando em uma grande corretora de ações que quebrou na segunda-feira negra de 19 de outubro de 1987.
Desempregado, ele buscou emprego na periferia do mercado, em uma corretora de quinta categoria para a qual vendia as chamadas “penny stocks”, ações que valiam poucos centavos e ofereciam riscos elevadíssimos a investidores incautos. A vantagem eram as generosas margens de lucro. Belfort começou a ganhar dinheiro e, ganancioso ao extremo, logo abriu sua própria empresa, operando ao arrepio da lei. Scorsese permanece fiel seu estilo: descrições detalhadas, extensas locuções em background e um tratamento pesado do assunto, em particular ao narrar com toda a crueza as farras realizadas na sala de negociações. Não é a primeira vez que o mercado serve de matéria-prima para Hollywood.
Em abordagens que variam do quase documental ao francamente caricatural, a fascinação com os altos e baixos vem desde 1987, quando o impenitente Gordon Gekko proclamou que “a ganância é boa” em “Wall Street”, de Oliver Stone. O discurso continuou valendo em “Com o Dinheiro dos Outros” (Other People’s Money), de 1991, quando Danny DeVito defendeu, sem constrangimento, o fechamento de uma fábrica, cortando empregos para remunerar os acionistas. A tônica não mudaria em “O Primeiro Milhão” (Boiler Room), do ano 2000, bastante semelhante a “O Lobo de Wall Street” ao mostrar a cobiça e sua capacidade de distorcer a alma humana. Poucos anos mais tarde, quando a crise imobiliária de 2008 mostrou quão longe o sistema financeiro tinha chegado para aumentar seus próprios lucros, o cinema retomou o tema.
Em 2010, Gekko voltou a atacar em “Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme”. No ano seguinte, em “O Dia Antes do Fim” (Margin Call), o presidente de banco representado por Jeremy Irons resume bem o espírito do tempo. “Há três maneiras de ganhar dinheiro neste negócio: ser o primeiro, ser o mais esperto ou enganar os outros.” “O Lobo de Wall Street” vai estrear em cerca de 220 salas no dia 24 de janeiro. Para a sorte do investidor brasileiro, boa parte do que é representado lá não ocorreria aqui, onde os controles do mercado são melhores, embora a pena para os fraudadores seja muito menor. “O Lobo de Wall Street” é uma caricatura do mercado. No entanto, como em toda caricatura bem-feita, é possível perceber, nos traços distorcidos, os vales mais profundos da alma do retratado.