Na esteira de ataque a mercado de Natal na Alemanha que deixou cinco mortos, há registro de agressões racistas contra estrangeiros. Observadores alertam sobre risco para a Alemanha de uma extrema direita mobilizada.Ainda não estão claras as razões pelas quais o autor do ataque em Magdeburg – um médico saudita de 50 anos atualmente em prisão preventiva – atropelou uma multidão em um mercado de Natal, matando cinco pessoas e ferindo mais de 200.

Desde a tragédia, a cena de extrema direita na Alemanha tem usado o caso para incitar ódio contra imigrantes.

“Nunca senti uma atmosfera tão hostil e ameaçadora”, desabafa um estudante de engenharia automotiva em Magdeburg em relato à “Salam”, organização com sede no estado da Saxônia-Anhalt especializada em prevenção de violência.

Segundo a entidade, o número de incidentes envolvendo pessoas identificadas como estrangeiros por radicais de direita aumentou significativamente.

Ofensas, cusparadas e agressões físicas

“Supostos imigrantes são xingados na rua de ‘terroristas’, ‘criminosos’ e ‘escória’, empurrados, cuspidos”, afirma a organização em relatório.

A ameaça é tamanha que estrangeiros têm alertado uns aos outros em grupos no WhatsApp e no Facebook, aconselhando evitar espaços públicos.

O paradoxo disso tudo é que o suspeito do ataque expressava nas redes sociais visões islamofóbicas e comuns à extrema direita, como notou o pesquisador de radicalismo Hans Goldenbaum, da organização Salam, em entrevista à rádio MDR: “Isso mostra a força desse discurso de extrema direita e como ele é alheio à realidade.”

Mobilização nacional de extremistas

Após o atentado na última sexta-feira (20/12), grupos e indivíduos neonazistas e de extrema direita em toda a Alemanha passaram a mobilizar protestos, exigindo deportações em massa.

Uma manifestação em Magdeburg no domingo atraiu centenas de neonazistas, com ataques a jornalistas que cobriam o evento.

Um dos oradores da manifestação era Thorsten Heise, notório líder neonazista com antecedentes criminais, e que no passado já tentou atropelar um refugiado.

Registros da manifestação mostram Heise incentivando o público a se infiltrar em associações e clubes, no corpo de bombeiros e no serviço público.

Em resposta, jornalistas afirmam que os manifestantes gritaram “desperte, Alemanha!” (Deutschland erwache!), um slogan popular entre nazistas sob Adolf Hitler e cujo uso, hoje, é proibido por lei.

Campanha eleitoral em meio ao luto

Na segunda-feira após o ataque, a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido acusado de manter elos com a extrema direita, organizou uma grande manifestação em Magdeburg.

Milhares de pessoas atenderam ao chamado: uma mistura que incluiu lideranças partidárias, cidadãos comuns de diferentes idades e vários hooligans da região – facilmente identificáveis pelos rostos cobertos, tatuagens e roupas típicas da cena. O resto, em sua maioria, não pareceu se incomodar com a presença dos extremistas.

Candidata a chanceler federal da Alemanha e líder da AfD, Alice Weidel discursou no ato aos gritos de “deporte-os” da plateia.

Findo o evento, que transcorreu com relativa tranquilidade, jovens saíram em marcha pelas ruas da cidade, atacando fotógrafos, berrando palavras de ordem extremistas e buscando confusão com a polícia, que os observava. Em suas risadas e zombarias, não se notava nenhum sinal de luto.

Risco é de que ataque seja instrumentalizado, afirmam especialistas

O especialista em extremismo de direita David Begrich, que atua na entidade Miteinander e.V., prevê uma politização ainda maior do ataque.

Falando à DW, ele criticou eventos como o promovido pela AfD na segunda-feira, frisando que o foco agora deveria estar nas vítimas e nos sobreviventes.

“Vejo uma grande perplexidade e estado de choque em Magdeburg. Este ataque deixou uma ferida profunda na cidade. Isso nos atinge no nível pessoal – há colegas da minha mulher entre os feridos”, afirma.

Para Begrich, enquanto pessoas ainda estiverem no hospital encarando as consequências do atentado, qualquer tentativa de instrumentalização é inadmissível. “As vítimas devem ser o centro das atenções agora. A análise do ocorrido virá depois. A cidade não quer saber de instrumentalização.”

Apesar das notícias falsas, rumores e tentativas de manipulação do caso nas redes sociais, Begrich vê Magdeburg genuinamente abalada: “A cidade está se unindo.”

Na segunda-feira, enquanto a AfD organizava seu próprio protesto, centenas de pessoas deram um abraço coletivo na praça que foi palco do atentado em Magdeburgo, em homenagem às vítimas.

A iniciativa, sob o nome “Não dê chance ao ódio”, era também um contraponto aos extremistas que tentam faturar politicamente com a tragédia.

“Estas são luzes para uma cidade cosmopolita”, disse Oliver Wiebe, um dos organizadores, referindo-se às velas nas mãos dos manifestantes.