Estudo realizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostra que as famílias brasileiras pretendem investir em imóveis, poupança e outras aplicações bancárias em caso de sobras no seus orçamentos domésticos.

Resumo

  • Investimentos preferidos das famílias brasileiras: imóveis, poupança e outras aplicações bancárias;
  • Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm mais interesse em adquirir imóveis, enquanto o Sudeste lidera em outros investimentos bancários;
  • A propriedade do imóvel representa segurança e pertencimento para as famílias;
  • A preferência pela poupança é mais comum no Nordeste e Centro-Oeste;
  • Norte e Nordeste mostram maior interesse em investir em educação, associados a menores graus de escolaridade e renda.

O “Radar Febraban”, levantamento realizado bimestralmente, indica que 32% dos entrevistados responderam que pretendem adquirir um imóvel, caso tenham recursos sobrando após o pagamento de dívidas. 23% disseram que desejam aplicar em outros investimentos bancários; 20% querem investir na poupança; e 13% querem fazer cursos e melhorar a sua educação e da família.

Recorte regional

Analisando por regiões, Norte, Nordeste e Centro-Oeste são as regiões que mais têm interesse em comprar imóveis, com 38%, 35% e 35% respectivamente.

Em relação à poupança, Centro-Oeste (23%) e Nordeste (22%) são os locais que mais buscam realizar esse tipo de aplicação. Já em relação a outros investimentos bancários, o Sudeste lidera com 28%.

O Nordeste é a região em que reformar a casa encontra-se em primeiro lugar, com 19%. O Sul lidera as intenções de viajar (17%) e o Norte e Nordeste estão em primeiro quando o assunto é investimento em educação própria e da família.

“As diferentes aspirações quanto ao destino a ser dado a uma possível sobra de orçamento refletem a diferença na composição da sociedade moderna, presa à lógica da cultura secularizada assentada cada vez mais no indivíduo ao mesmo tempo em que algumas unidades federativas ficaram presas ao atraso secular, o mesmo acontecendo nas cidades que absorveram o desenvolvimento, com bairros modernos e pujantes cercados por zonas periféricas decadentes”, afirma Rogério Baptistini, professor de sociologia e economia do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

Para o professor, se por um lado a pesquisa aponta o uso dos recursos para busca de experiências como viajar, o que pode ser considerado como uma preocupação de curto prazo, por outro ela demonstra preocupações com a segurança, como a aquisição de moradia, algo mais ligado ao longo prazo. “No primeiro caso, temos traços de individualismo; no segundo, talvez, a herança da tradição assentada na velha ideia de família, dos grupos de socialização primária que remetem ao Brasil pré-moderno”, analisa.

A amostra nacional teve dois mil entrevistados, representativa da população brasileira adulta com 18 anos ou mais de todas as cinco regiões do país, com cotas de sexo, idade, localidade e controle de instrução e renda.

O sonho da casa própria

O “sonho da casa própria” é uma máxima quando se fala de aspirações dos brasileiros. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD) 2022 indicam que a quantidade de domicílios próprios quitados no país recuou de 66,7% em 2016 para 63,8% em 2022. “Ou seja, para mais de um terço dos brasileiros, a casa própria ainda é um projeto. Isso se reflete no percentual de 32% que, em caso de sobras no orçamento, investiriam nesse item no Radar Febraban”, afirma Roseane Xavier, gerente de Pesquisas do Ipespe.

“Imóvel próprio representa mais do que residência ou moradia. Representa abrigo, segurança. A posse do imóvel remete ao primitivo território, hábito, posse e pertencimento. Então trata-se de questões não somente econômicas, mas relacionadas a aspectos psicológicos até mais ancestrais”, diz Alberto Ajzental, professor de economia da FGV.

Já em relação à reforma da casa, ela não necessariamente ocorre apenas porque as pessoas não dispõem de recursos para comprar um imóvel. “Algumas pessoas sobem dois, três andares, para gerar renda passiva de aluguel. A população de renda mais baixa começa desse jeito, sobe a casa, depois vai dando acabamento e depois vai fazendo as reformas necessárias para tornar a casa mais confortável para a família”, explica Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper.

“Quando observamos a relação entre o custo de vida nas cidades e a renda do trabalhador, o aluguel é o item que mais concorre para a precarização da vida”, afirma Baptistini. O problema, entretanto, é antigo e fruto em larga medida das migrações internas do país que resultaram em massas urbanas de excluídos.

Poupança e outros investimentos bancários

O desejo de aplicar na poupança, maior no Nordeste e Centro-Oeste, é um reflexo da sua familiaridade por partes das pessoas e do seu baixo risco, avaliam os especialistas.

“Optam pela poupança investidores que têm mais medo de perdas, que podem precisar do dinheiro a qualquer momento e que são menos familiarizados com assuntos relacionados a investimentos e educação financeira. Esse perfil pode estar relacionado a um menor grau de escolaridade e de renda – o Radar mostra que a opção por outros investimentos bancários em caso de sobras no orçamento é de 13% entre os que têm até o ensino fundamental e 24% entre os que têm o médio, subindo para 37% entre os que têm nível superior”, contextualiza a gerente de Pesquisas do Ipespe.

Por sua vez, o interesse em outros investimentos bancários, que ocupa o segundo lugar geral, é maior no Sudeste (28%), onde quase empata com a primeira opção (compra de imóvel, 29%). Segundo o economista da FGV, a explicação residiria no fato de que a região seria mais rica e com mais acesso à educação financeira, o que também justificaria a intenção de viajar ser mais citada no Sul (17%), já que ambas as regiões, por serem as mais desenvolvidas, já teriam em maior proporção resolvido os seus itens básicos, podendo investir em serviços menos necessários, caso das viagens.

Educação para gerar renda

O Norte e o Nordeste são as regiões com população mais interessada em investir em educação com eventuais sobras do orçamento, o que, de acordo com Xavier, seria explicado pela própria pesquisa. “O Radar mostra que essa aspiração é discretamente maior entre os níveis de renda e escolaridade mais baixos, o que, novamente, pode ajudar a entender as diferenças regionais”, ela afirma.

“Embora a região Nordeste tenha boas escolas tradicionais, no interior existem mais dificuldades. Diante disso, o desejo das famílias é oferecer aos seus filhos uma melhor educação que permita a eles uma autonomia e uma geração de renda maior”, diz Rocha.

“O desenvolvimento brasileiro, por suas características, esteve concentrado no Sul e no Sudeste, atraindo fluxos migratórias do Norte e do Nordeste para essas regiões dinâmicas. Hoje, a situação não é mesma e é natural a preocupação com a educação nas regiões outrora desfavorecidas. Aparentemente, assistimos à reorganização do sistema econômico brasileiro com impactos na organização da cultura”, finaliza Baptistini.