O superávit recorde de US$ 44,7 bilhões registrado pela balança comercial brasileira em 2005 levantou, na semana passada, uma discussão que foge à regra do debate econômico brasileiro. Pela primeira vez desde Dom João VI, há gente de respeito sugerindo que é preciso reduzir o saldo aumentando o volume das importações. Isso mesmo. A tese é de que o superávit está exagerado e que o crescimento das compras lá fora ajudaria o País. Um dos defensores da idéia, Mario Mugnaini, secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior, diz que um saldo de US$ 30 bilhões seria mais que suficiente para atender às necessidades do País. Ao importar mais, afirma, o Brasil acabaria aumentando a procura por dólares e isso desvalorizaria naturalmente o real, fazendo com que os produtos brasileiros ganhassem mais competitividade no mercado externo. ?Com isso, a cotação do dólar poderia chegar aos R$ 2,50?, arrisca o secretário. Embora o grande efeito colateral do superávit seja a valorização da moeda brasileira, a elevação das importações também poderia baratear os investimentos, estimular a competitividade geral da economia e, de quebra, ajudar a reprimir a inflação. Ela parece não ter contra-indicação.

Aumentar as compras externas, porém, não é exatamente uma moleza, e os números mostram isso. Entre 1993 e 2000, o volume total das importações cresceu cerca de 120%, o dobro da média mundial no período. Mas desde 2001 isso se inverteu e o ritmo de expansão das exportações deu passos muito mais largos. ?O aumento das importações está intrinsicamente ligado ao crescimento da economia?, lembra Lia Valls, economista da Fundação Getúlio Vargas, do Rio. ?E o PIB não cresceu no ritmo que deveria em 2005. Tampouco crescerá acelerado em 2006.? Enquanto os técnicos do governo alardeiam um crescimento de até 5%, no mercado as estimativas não chegam a 4%. Se a economia não cresce, a renda fica estagnada, o consumo cai e as empresas investem menos. Flávio Castello Branco, economista da Confederação Nacional da Indústria, a CNI, ensina: ?São os investimentos em ampliação da capacidade produtiva e a compra de matéria-prima que estimulam as importações.? No final do ano passado, o Ministério da Fazenda chegou a acenar com uma solução técnica para o problema: propôs uma redução acentuada de tarifas que poderia ter impacto instantâneo sobre a entrada de produtos importados no País. A idéia foi recebida pelos industriais aos pontapés. Os diplomatas também reclamaram, acenando com as limitações impostas pelos acordos do Mercosul e com a pressão que esse tipo de proposta interna colocava sobre os negociadores nos fóruns internacionais. Mas esses mesmos diplomatas, ou os industriais por trás deles, têm parte da culpa pela atual situação da balança: se acordos comerciais já tivessem sido fechados com a Europa e os Estados Unidos, provavelmente o Brasil ostentasse um fluxo de comércio mais equilibrado. Como isso, dado o ritmo da diplomacia comercial, ainda está distante, resta apostar na redução mais rápida dos juros e no crescimento econômico como forma de ajustar a balança comercial. É a vitória da lógica elementar: o juro menor estimula crédito, investimento e consumo. Com isso a economia cresce e provoca aumento das importações. É mais um motivo, como se não faltassem outros, para que o Brasil volte a crescer. Logo.

US$ 30 bilhões é o superávit comercial considerado suficiente para equilibrar as contas externas sem provocar problemas