Começou na segunda-feira (7) o período do ano em que brasileiras e brasileiros se descabelam para acertar suas contas com o Leão. Nessa data, a Secretaria da Receita Federal (SRF) tornou disponível o programa que permite realizar a Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda. O prazo final para entrega da declaração se encerra no dia 29 de abril. Ao comemorar um século, a Receita encurtou o tempo para a elaboração da declaração de ajuste. Até o ano passado, o período declaratório se iniciava no primeiro dia de março e durava até o último dia de abril. Neste ano, em vez dos dois meses, serão 54 dias de prazo.

A Receita até que tentou facilitar a vida do contribuinte brasileiro. Uma das alterações no programa de ajuste deste ano é que a declaração pré-preenchida estará disponível em todas as plataformas usadas para preparar o documento. Até 2021, a declaração prévia só estava disponível on-line e para os contribuintes com certificado digital. Agora, basta ter uma conta no aplicativo gov.br nos níveis prata ou ouro. Porém, as limitações e restrições à declaração pré-preenchida continuam numerosas. Por exemplo, ganhos de capital com a venda de ações, fundos imobiliários, imóveis ou criptomoedas.

No caso das ações há uma especificidade. Transações de ações com valores inferiores a R$ 20 mil por mês são isentas. Assim, se o investidor comprar mil ações por R$ 18 cada no primeiro dia do mês e vendê-las por R$ 19 cada no último dia, esses R$ 1 mil de lucro são isentos de imposto. No entanto, mesmo isento, esse rendimento tem de ser declarado. E esse ganho inviabiliza o envio da declaração pré-preenchida.

O mesmo raciocínio vale para os fundos imobiliários. O rendimento desses investimentos é isento de imposto, mas o ganho de capital (ou lucro) na venda das cotas é tributado. Diferentemente do que ocorre com as ações, não há um limite isento: tecnicamente, mesmo um ganho de R$ 1 terá de ser informado à Receita.

LEÃO À CAÇA Para o advogado tributarista Roberto Justo, o Fisco terá muita dificuldade em conferir as transações com criptomoedas realizadas em exchanges fora do Brasil. (Crédito:Divulgação)

CRIPTOATIVOS Segundo o advogado tributarista Roberto Justo, um dos pontos que mais deverá gerar dúvidas na hora de preparar a declaração de ajuste são os investimentos em criptomoedas. A Receita Federal buscou normatizar essa declaração em julho de 2019, por meio da Instrução Normativa nº 1.888. No entanto, há alguns problemas, a começar pela própria obrigatoriedade de declarar as transações realizadas.

Pela instrução, o contribuinte é obrigado a declarar mensalmente todas as transações que superarem R$ 30 mil por mês. As exchanges ou corretoras também terão de informar a Receita. No entanto, isso só vale para as empresas brasileiras. Exchanges internacionais não têm essa obrigatoriedade. Segundo Justo, isso pode provocar uma discrepância na declaração. “Suponha que o contribuinte comprou uma criptomoeda no estrangeiro usando seu cartão de crédito e pagou o IOF correspondente a qualquer outra compra no exterior”, disse ele. “Esses recursos saíram do País em uma transação perfeitamente legal, em conformidade com o que manda a Receita, mas que não está registrada no Banco Central.” Se o contribuinte optar por não declarar esse investimento em criptomoedas, na prática a Receita terá muita dificuldade em detectar esse valor. Há outra questão. A instrução é clara ao estabelecer que exchanges localizadas no Brasil são obrigadas a declarar as transações.

No entanto, se as operações forem realizadas em exchanges listadas no exterior, a obrigação de declarar é apenas do contribuinte, e só quando as transações superarem R$ 30 mil por mês. Na prática, disse Justo, a Receita terá muita dificuldade para conferir se as informações prestadas pelo contribuinte correspondem às transações com criptomoedas efetivamente realizadas. Com um agravante: pela instrução, a multa aplicada ao contribuinte pessoa física em caso de envio de informações fora do prazo será de R$ 100 por mês. No caso de informações incorretas, a multa será de 1,5% do total da transação.

Assim, uma transação de R$ 100 mil não declarada à Receita que eventualmente venha a ser questionada pelo Fisco vai gerar uma multa de R$ 1,5 mil para a pessoa física. No caso de contribuintes que operem por meio de pessoas jurídicas, os valores das multas sobem para R$ 500 por mês para envio de informações fora do prazo, ou 3% no caso de informações incorretas ou ausência de informações. O fato das multas serem proporcionalmente menores do que outras penalidades impostas pelo Fisco pode funcionar como um incentivo para que o contribuinte não tome muito cuidado ao informar as transações com criptomoedas em sua declaração de ajuste. “Ainda deverá haver muitas alterações na regulamentação por parte da Receita”, disse Justo.