20/02/2002 - 7:00
Pedro Malan concorda com a idéia de financiar a seguridade com a CPMF
“O Serra já tem recursos orçamentários vinculados para a Saúde”
DINHEIRO ? Entra governo, sai governo, a Previdência continua com problemas. Tem solução?
ROBERTO BRANT ? A questão previdenciária é o mais agudo problema fiscal do mundo. No Brasil, pagamos R$ 75 bilhões por ano para 20 milhões de pessoas. É a área de maior despesa do governo federal. Mas beneficiamos cerca de 70 milhões de pessoas, 40% da população do País. Do lado do financiamento, há déficit de R$ 13 bilhões.
DINHEIRO ? As campanhas para estimular as filiações ao INSS têm dado resultado?
BRANT ? Muito pouco. Dos 70 milhões de pessoas em condições de trabalhar, só 28 milhões estão formalmente empregadas. É um dos piores problemas do País. As pessoas que estão na informalidade, porém, vão adoecer e ficar velhas e não terão proteção alguma. Inevitavelmente, vão cair nos braços da assistência social. São imperfeições do mercado de trabalho brasileiro.
DINHEIRO ? Por onde passa a solução?
BRANT ? Temos de encontrar uma outra maneira de financiar a Previdência, que não seja com um imposto de 20%, que é altíssimo e desestimula empresas a contratar. O imposto sobre a folha está sendo abolido no mundo inteiro para incentivar a geração de postos de trabalho. Até o FMI o considera inadequado.
DINHEIRO ? Como isso acontece?
BRANT ? É uma das faces da apropriação do Estado brasileiro por uma minoria, que assegurou universidade pública gratuita para seus filhos, os melhores hospitais, empregos e aposentadorias. Resultado: em pleno século 21 temos um Estado excludente, oligárquico, com cara de século passado. Os ricos estão aqui protegidos amplamente pela lei. Quando se mexe nos benefícios, eles entram com mandado de segurança e ganham na Justiça.
DINHEIRO ? O aumento da expectativa de vida agrava o problema?
BRANT ? Por isso teremos de fazer uma reforma da Previdência de cinco em cinco anos. Mesmo nos países de população amadurecida, a transição demográfica se faz rapidamente e são obrigados a fazer constantes correções. Para nós, que agora atingimos níveis de 50 anos atrás, estamos submetidos a uma pressão demográfica muito grande.
DINHEIRO ? Muitos países estão privatizando toda sua Previdência. Por que o Brasil não faz o mesmo?
BRANT ? O público é o melhor sistema do mundo. Quem optou por outro está passando apertos. É o caso da Argentina e do Chile. O Chile privatizou tudo, mas não resolveu o problema. Aquele país gasta com subsídios a mesma quantia do nosso déficit do INSS, que para eles corresponde a 5% do PIB. Privatizar é um risco muito grande.
DINHEIRO ? O fator previdenciário, que já foi comparado a um redutor de aposentadorias, já produz efeitos fiscais?
BRANT ? Sim. O fator acabou com a aposentadoria de contribuição. Mais de 80% das pessoas que entram com pedido de aposentadoria hoje se aposentam por idade. Antes era quase tudo por contribuição, uma coisa bizarra que só existia no Brasil.
DINHEIRO ? O fator tem ajudado a equilibrar o déficit?
BRANT ? Sim. Hoje, o déficit está em torno de 1% do PIB. Mas pode crescer por conta do aumento do salário mínimo, se não houver melhorias na economia. Sempre que o País não crescer, a Previdência estará em xeque, pois o reajuste do salário mínimo sempre fica acima da inflação. Para este ano, nossa expectativa é ter um déficit de 1,2% do PIB, o equivalente a R$ 16 bilhões.
DINHEIRO ? Por muito tempo, fundo de pensão era sinônimo de corrupção. Isso mudou?
BRANT ? Está mudando. Fizemos uma ampla investigação no setor e constatamos que, do ponto de vista de equilíbrio atuarial dos quase 400 fundos que existem, só quatro não se ajustaram. Ou seja, só quatro fundos de pensão não firmaram contratos conosco para entrar em equilíbrio. Os nomes serão anunciados na próxima semana. Mas tem até um que é de uma multinacional americana que sequer respondeu ao nosso questionário. Esses vão sofrer intervenção.
DINHEIRO ? E quanto aos fundos gigantes como o dos funcionários do Banco do Brasil e da Caixa?
BRANT ? Todos os grandes mudaram seus regimes de benefício e aumentaram as suas contribuições. Inclusive a Funcef, da Caixa, a Petros e a Previ. No passado, a corrupção era muito menos do órgão regulador e mais pelos gestores do fundo. Hoje, isso diminuiu muito porque a lei obriga a direção dos fundos ser bipartite. Quem toma decisões é o gestor e o participante. Os controles também melhoraram e as entidades se profissionalizaram.
DINHEIRO ? Na época da reforma, falava-se que as mudanças iriam triplicar o patrimônio dos fundos no curto prazo. Por que isso ainda não aconteceu?
BRANT ? O patrimônio tem se mantido estável em torno de R$ 120 bilhões. Não cresceu mais por conta de pendências tributárias, que no final do ano passado foram resolvidas.
DINHEIRO ? A expectativa é que ocorra uma explosão de fundos em breve, o que dificultará a fiscalização. Não é uma modalidade arriscada?
BRANT ? Não com as novas regras de aplicação dos recursos. Além disso, não há na história do Brasil nenhum caso de fundo que tenha quebrado. E nos últimos anos a segurança das aplicações e dos recursos melhorou muito. Tanto que interviemos apenas em um fundo no meu mandato. É claro que riscos sempre existem, até mesmo nos Estados Unidos. Veja o caso da Enron. A situação deles é muito pior que a nossa, porque podem concentrar ativos. Cerca de 80% dos ativos do fundo de pensão da GM estão em ações da própria empresa. Aqui no Brasil não se permite isso.
DINHEIRO ? Mas no Brasil, a rentabilidade das carteiras dos fundos tem sofrido forte queda.
BRANT ? É efeito das bolsas, que tiveram perdas no ano passado. Quando melhorar a economia, as perdas são recuperadas.
DINHEIRO ? Se o sr. fosse participante de um fundo fechado, dormiria tranqüilo?
BRANT ? Totalmente tranqüilo. Até mesmo se fosse participante de um fundo privado. Aliás, o estado financeiro das entidades abertas é muito bom. Como são obrigadas a publicar muito mais demonstrativos, com operações abertas, a segurança é maior.
DINHEIRO ? É possível recuperar parte da dívida ativa da Previdência, hoje na casa dos R$ 60 bilhões?
BRANT ? É muito difícil porque a maior parte dessas empresas faliu e não tem mais nem fumaça para vender. O problema é que não podemos dar baixa na dívida mesmo que se comprove que não dá para receber.
DINHEIRO ? O Refis acabou ficando bem abaixo do que o governo previa. Por quê?
BRANT ? O problema do Refis é que ele permitiu que empresas que iam morrer continuassem vivas apenas por mais algum tempo. Das 122 mil que ingressaram no programa, sobraram apenas 40 mil que mantiveram os pagamentos em dia. Empresa doente é difícil de recuperar.
DINHEIRO ? Dá para acabar com a chamada ?pilantropia??
BRANT ? Acho que essa história de pilantropia existe mais na mente das pessoas.
DINHEIRO ? Mas muitas empresas se passam por entidades filantrópicas só para não pagar imposto.
BRANT ? Tem sim, mas a repercussão na arrecadação é quase irrelevante. Mas as PUCs são sérias, os hospitais comunitários do SUS também. Para as pilantras negamos certificados a toda hora. Mas elas entram na Justiça e ganham.
DINHEIRO ? Mas se acabar a contribuição patronal, como financiar a Previdência?
BRANT ? Não é preciso acabar, é só reduzi-la para uma alíquota de 8% ou 10%. Não mais que isso. Para ajudar a financiar a diferença, sugiro transferir para a Seguridade Social os recursos da CPMF que hoje vão para a Saúde.
DINHEIRO ? Há espaço político para tal mudança?
BRANT ? Claro. A idéia não é mudar tudo em 24 horas, mas reduzir as alíquotas gradualmente até chegar aos 8%. Os recursos da CPMF que hoje vão para a Saúde podem ser substituídos por outras fontes orçamentárias. Antes, a Saúde precisava da CPMF porque não tinha espaço fiscal para contratar novos recursos. Agora, com um superávit primário de R$ 40 bilhões, tem espaço para fazer o remanejamento.
DINHEIRO ? A área econômica concordaria com isso?
BRANT ? Já concordou. No começo não concordavam, mas depois Malan, o Everardo e o Fernando Henrique me chamaram para dizer que gostaram da idéia. Já estamos até montando grupo de trabalho. É um processo de quatro ou cinco anos, mas será um bom sinal para a economia. Só com o José Serra eu não falei.
DINHEIRO ? Ele não concordaria?
BRANT ? A Saúde já tem garantido um percentual orçamentário. O Serra conseguiu vincular esses recursos e ninguém mais tira de lá o que conseguiram. Tá tudo amarrado. Então, a CPMF pode agora ser usada para resolver o problema na Seguridade Social.
DINHEIRO ? Especialistas afirmam que a reforma não passou de um arremedo.
BRANT ? Temos de separar previdência pública da privada. A parte privada foi toda equacionada. O problema está na pública, cuja reforma não foi feita porque os interesses e privilégios continuam guarnecidos pelo Congresso e segmentos da sociedade. É só ver os números. O déficit da previdência pública é de R$ 47 bilhões, contra R$ 12 bilhões do INSS. Só que os R$ 47 bilhões beneficiam apenas 2,5 milhões de funcionários públicos contra os R$ 12 bilhões que são para beneficiar 20 milhões. O presidente Fernando Henrique tentou de todas as maneiras acabar com isso, mas não conseguiu levar adiante no Congresso.
DINHEIRO ? Teria sido diferente se tivessem aprovado a contribuição dos inativos do setor público?
BRANT ? Só a contribuição dos inativos não resolve o problema, pois a arrecadação aumentaria apenas R$ 1,5 bilhão. Tem de mexer em tudo. O problema é que não há nenhum segmento da população que o Congresso preze mais que os funcionários públicos. E dentro do setor público também há distorções. Os maiores absurdos estão no Judiciário e no Legislativo.