Ondas de calor e secas aumentaram probabilidade de incêndios florestais. Pela primeira vez, fogo superou a agropecuária como principal causa de desmatamento de matas tropicais primárias.Um novo relatório da plataforma Global Forest Watch da ONG ambientalista World Resources Institute (WRI), usando dados da Universidade de Maryland, nos EUA, mostra que as altas temperaturas globais contribuíram para uma perda recorde de florestas em todo o mundo em 2024, sendo os incêndios florestais responsáveis por quase metade da destruição.

De acordo com os dados, divulgados nesta quarta-feira (21/05), os incêndios destruíram cinco vezes mais florestas tropicais primárias no ano passado do que em 2023, especialmente na América Latina. Isso fez com que, pela primeira vez, desde o início do monitoramento da Global Forest Watch, em 2002, os incêndios superassem a agropecuária e se tornassem a principal causa de perda de florestas tropicais primárias.

O Brasil, que está se preparando para em novembro a próxima Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP30, teve seu pior ano para florestas desde 2016. Cerca de 2,8 milhões de hectares de florestas primárias foram destruídos, uma área apenas um pouco menor que a da Bélgica.

O Brasil liderou, mais uma vez, o ranking mundial em termos de extensão da devastação, com 42% de toda a perda de floresta tropical primária no mundo.

“No ano passado, o Brasil passou por sua seca mais intensa e generalizada em sete décadas. Combinado com altas temperaturas, isso fez com que os incêndios se espalhassem em uma escala sem precedentes por todo o país”, disse Mariana Oliveira, gerente do programa de florestas, uso da terra e agricultura do WRI Brasil. “Foi um ano bastante difícil para nós”, acrescentou.

Atividade humana e seca

Dois terços dessa perda foram atribuídos a incêndios provocados principalmente pela atividade humana. Cerca de 80% da perda foi na Floresta Amazônica.

As florestas não apenas atenuam os efeitos da mudança climática, mas também influenciam as temperaturas e as chuvas locais – e tudo o que depende disso, inclusive a agricultura e a saúde. Florestas robustas e biodiversas abrigam ecossistemas que, por sua vez, sustentam os meios de subsistência de um terço da população mundial.

As condições do clima quente e a seca recorde vivida no Brasil também alimentaram incêndios maiores e mais disseminados em toda a América do Sul, especialmente na Bolívia e na Colômbia. No entanto, o desmatamento para a agricultura, especialmente a soja e as fazendas de gado, além da mineração e extração de madeira, também contribuíram para a destruição da floresta, especialmente na Colômbia.

A perda de florestas primárias também aumentou na Bacia do Congo, na África, um dos últimos grandes sumidouros de carbono do mundo. Em uma das áreas mais pobres do globo, os habitantes locais dependem das florestas para obter alimentos e combustível. O conflito na República Democrática do Congo também colocou em risco a natureza. Na vizinha República do Congo, os incêndios foram responsáveis por 45% da destruição.

Por que incêndios florestais se tornam “mais intensos”

“A causa subjacente de grande parte disso é a mudança climática, que, em última análise, é alimentada por atividades humanas”, disse Rod Taylor, diretor de florestas e conservação da natureza do WRI. Ele acrescentou, que o mundo entrou em uma nova fase de amplificação, na qual “os incêndios estão mais intensos e ferozes do que nunca”.

Taylor disse à DW que, à medida que as florestas secam e se tornam cada vez mais degradadas, os incêndios que antes podiam ter se apagado por conta própria estão se espalhando ainda mais. “Em vez de serem resistentes ao fogo, [as florestas são] iscas, prontas para explodir.”

A perda florestal não se concentrou apenas nos trópicos. Grandes incêndios nas florestas boreais do norte, em lugares como o Canadá e a Rússia, contribuíram para o desaparecimento recorde de 30 milhões de hectares em todo o mundo em 2024. Já os incêndios florestais globais emitiram 4,1 gigatoneladas de gases de efeito estufa.

Sarah Carter, pesquisadora associada da Global Forest Watch, destacou que, ao contrário das florestas tropicais, os incêndios fazem parte do processo natural das florestas boreais. Mas, mesmo aqui, “os circuitos de retorno de condições mais secas e incêndios mais intensos estão sendo observados à medida que o clima se torna mais quente”.

Como países reduziram a perda de florestas por incêndios

No entanto, alguns países conseguiram contrariar a tendência. A Indonésia registrou uma redução de 11% na perda de florestas em 2024. Segundo Carter, essa redução está relacionada, em parte, aos esforços de prevenção e resposta a incêndios somados ao trabalho do setor privado e das comunidades locais.

A destruição da floresta primária também caiu 13% na vizinha Malásia, graças a leis de desmatamento mais rígidas e ao maior comprometimento das empresas. Parte do sucesso nesses dois países pode ser atribuída ao fato de as comunidades locais e o setor privado se unirem e usarem novos aplicativos e dados compartilhados para monitorar de forma rápida e fácil focos de destruição.

“A vantagem dessas informações é que elas estão disponíveis quase em tempo real, de modo que recebemos esses alertas quase todos os dias, que nos informam onde as florestas estão sendo perdidas”, disse Carter. Isso, segundo ela, juntamente com a ação política em nível governamental, pode ajudar a proteger as florestas que restam. “É fundamental ter essas informações.”

Matt Hansen, professor da Universidade de Maryland e codiretor do Global Land Analysis and Discovery Lab da instituição superior de ensino americana, disse que os esforços para reduzir a perda de florestas estão sendo desafiados em uma época em que a governança está enfraquecendo em todo o mundo, especialmente nos EUA. Isso faz com que informações como essas, embora “assustadoras”, sejam ainda mais importantes.

“Esses dados devem estimular muito mais do que preocupar”, levando os governos e cidadãos a agirem, pontuou Hansen.