27/08/2008 - 7:00
EM BUSCA DE SIGILO bancário, milionários do mundo todo enviam dinheiro para bancos do pequeno Principado de Liechtenstein, um paraíso alpino encravado entre a Suíça e a Áustria. Alguns, por discrição. Outros, por temerem os impostos ou a lei de seus próprios países. São pessoas com algo a esconder: a herança não-declarada, o caixa 2 da empresa, a fortuna roubada, o fruto da corrupção ou, quem sabe, milhões obtidos com a venda de drogas e armas. Honestos ou não, certos investidores – vamos chamá-los assim – de Liechtenstein estão preocupados. O segredo sobre suas contas vazou para as autoridades de países como Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos. E com detalhes. Liechtenstein, um miniestado com 160 quilômetros quadrados e 35 mil habitantes, virou um inferno financeiro para os donos de US$ 5 bilhões (R$ 8 bilhões), que tiveram a vida vasculhada e enfrentam processos na Justiça por evasão fiscal ou sonegação.
O culpado pelo vazamento espetacular é Heinrich Kieber, ex-funcionário do Liechtenstein Global Trust (LGT), instituição financeira com US$ 92 bilhões sob gestão. O LGT contratou Kieber em 2001 para digitalizar documentos referentes aos clientes. Seria uma tarefa prosaica em outra empresa, não fosse o sigilo bancário a alma do negócio em Liechtenstein e não fosse o LGT supostamente controlado pela família real do principado. Segundo relatos da imprensa alemã e americana, quem manda no LGT é o príncipe Alois, herdeiro do monarca Hans-Adam II, que o nomeou chefe de Estado. Ninguém sabia que Kieber havia sido condenado na Espanha por uma fraude imobiliária de US$ 250 mil. Ele comprou um apartamento de um empresário alemão em Barcelona e pagou com um cheque sem fundos. Ninguém tampouco desconfiava do homem que copiava, mas ele gravou para si quatro DVDs com informações sobre 1.400 clientes do LGT.
Em 2003, Kieber tentou se livrar da ordem de prisão na Espanha de maneira, digamos, pouco ortodoxa. Pediu demissão, escondeu-se e mandou uma carta ao monarca de Liechtenstein fazendo ameaças. Se não recebesse uma nova identidade, dois passaportes e obtivesse o fim das acusações da fraude espanhola, iria divulgar informações comprometedoras dos milionários. Em vez do perdão real, conseguiu um processo em Liechtenstein por roubo de dados. Ele se entregou, contou histórias mirabolantes, devolveu os quatro DVDs originais e escapou da cadeia. Caso encerrado. Ou quase – ele tinha outras cópias e, nos três anos seguintes, Kieber passou a negociar as informações com agentes dos serviços secretos de países interessados. Quase fez negócio com os ingleses, mas fechou primeiro com o governo da Alemanha. Recebeu US$ 7 milhões e o abrigo do serviço de proteção a testemunhas. Suspeita-se que tenha passado algo para os americanos, em troca de dinheiro.
Enquanto isso, clientes do LGT começam a ter dores de cabeça em casa. Dentre eles, Klaus Zumwinkel, ex-presidente do serviço postal da Alemanha, e o bilionário australiano Peter Lowy, do setor imobiliário.
Muitos alemães utilizavam fundações constituídas em Liechtenstein para fugir do Fisco e agora terão de se explicar. Alguns dados vão de 1970 a 2007. E Kieber? Sumiu do mapa e está na lista de procurados da Interpol, a pedido de Liechtenstein. Nem sua mãe sabe onde encontrá-lo. Provavelmente, está diferente de sua última foto e tem outro nome. Dentre os clientes revelados, há mafiosos russos, que não o perdoarão jamais. “Ele está sendo caçado, não leva o que eu chamaria de uma vida boa”, diz seu advogado, Jack Blum. Alguém acredita?