02/12/2025 - 18:30
Em meio à pressão da concorrência chinesa considerada ‘desleal’, os industriais de Minas Gerais cobram do governo federal medidas ‘mais agressivas’ em defesa do setor têxtil, com aplicação de um direito antidumping de US$ 0,69 por quilo de malha de poliéster.
+Indústria têxtil e varejo pleiteiam do governo medidas mais rígidas contra importações da China
Dados de um levantamento de representantes do setor têxtil mostram que a China tem vendido o quilo da malha de poliéster acima de US$ 7 para outros países, ao passo que para o Brasil é de cerca de US$ 2 – prática que é chamada de dumping, quando um vendedor estrangeiro exporta um produto a um preço muito inferior para prejudicar a indústria do país importador e ganhar mercado.
Em entrevista à IstoÉ Dinheiro, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), Flávio Roscoe, defende que ‘não é uma medida protecionista, mas um combate ao comércio desleal’.
“Depois de aniquilado o produtor local, aquele mercado que em tese tá se beneficiando do preço barato vai começar a pagar o preço caro (….) se você deixa como está, você aniquila a indústria. E depois não tem volta, porque depois que se fechou uma fábrica, não abre do dia para a noite.”
O industrial defende que o antidumping de US$ 0,69 não mantém o jogo equânime, mas é o ‘mínimo necessário para manter a indústria de Minas Gerais no jogo’.
“Só nesse segmento [têxtil], os nossos cálculos foram de que, se nada for feito, a economia brasileira vai perder R$ 1,5 bilhão”, atesta.
Atualmente não há nenhuma medida do Governo Federal a fim de regular a competitividade do setor. Em nota enviada à IstoÉ Dinheiro, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) afirma que abriu investigação sobre suspeita de dumping relativo às importações de malhas de poliéster da China em dezembro de 2024, e que este processo ‘encontra-se em andamento’.
O pleito do setor têxtil não é exclusividade: executivos dos mais diversos ramos têm citado ‘inundação’ de alguns produtos vindos da China, especialmente após o tarifaço de Donald Trump, que reorganizou a dinâmica de comércio internacional.
Em entrevista à IstoÉ Dinheiro neste ano, o CEO da Gerdau, gigante do aço, destacou que a gestão chegou a avaliar injetar mais dinheiro na operação americana do que na brasileira por conta da dinâmica de competição com o dragão asiático.
O executivo havia dado entrevista justamente dias após a inauguração de uma expansão de usina em Ouro Branco, em Minas Gerais – o que representou um investimento bilionário e, segundo ele, foi uma alocação feita à despeito de uma dinâmica de concorrência considerada draconiana com os chineses.
O então CEO da ArcelorMittal endossou a tese e declarou que a ‘inundação de aço chinês’ também demanda medidas de Brasília.
Nota da FIEMG
A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) reforça a urgência da aplicação, por parte do Governo Federal, do direito antidumping sobre as importações de malhas de poliéster da China. A investigação conduzida pelas autoridades brasileiras comprova a prática de dumping e seus efeitos devastadores sobre a indústria têxtil nacional, que já enfrenta queda expressiva na produção, nas vendas e no emprego.
Essa situação ameaça não apenas os fabricantes de malhas, mas toda a cadeia da confecção, que depende diretamente de um abastecimento interno ágil, flexível e adaptado às necessidades do mercado. Importações padronizadas e em massa, como as que chegam da China, não atendem segmentos como moda que exigem produção sob medida, volumes variados e prazos curtos.
Com a perda da base produtiva nacional, essas empresas perdem sua principal vantagem competitiva. Além disso, o desaparecimento de fornecedores locais tende a gerar aumento futuro de preços, criando dependência externa em um setor estratégico da economia. O presidente da FIEMG, Flávio Roscoe, alerta que “o Brasil está diante de uma prática comercial desleal que já vem comprometendo a indústria nacional. A aplicação do antidumping é essencial para evitar que uma cadeia inteira entre em colapso”, afirmou.
A FIEMG reforça que a defesa comercial é um instrumento legítimo, previsto pelas normas internacionais, e deve ser aplicada com base em critérios técnicos. Deixar de agir agora significa abrir mão de milhares de empregos e de uma cadeia produtiva fundamental para o país.
Reunião do setor têxtil com Alckmin
Ao fim de novembro, lideranças de entidades representativas do setor têxtil se reuniram com o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, para pleitear do governo federal medidas mais incisivas contra as vendas de produtos chineses.
Os representantes alegam que as importações chinesas cresceram quase 60%, enquanto os preços caíram mais de 50% nos últimos anos, chegando inclusive a patamares próximos ao custo da própria matéria-prima.
Com isso, a China passou a responder por 99% das importações brasileiras desse produto. Como consequência direta, entre 2022 e 2023, a indústria nacional sofreu queda de 42,9% na receita bruta, 99,6% na receita operacional, deterioração acentuada das margens, redução da produção e das vendas, além de acúmulo de estoques.
Para que serve a malha de poliéster
A malha de poliéster serve principalmente como base para a produção de tecidos leves, resistentes e de secagem rápida, muito usados em confecções de moda e especialmente no setor esportivo
É um material sintético e com uma relativa boa durabilidade, podendo ser combinada com outras fibras, como elastano, algodão e viscose, permitindo criar um leque grande de tecidos.
Na cadeia produtiva da indústria têxtil, a malha de poliéster está presente em uma ampla variedade de produtos: camisetas, roupas esportivas, moda íntima, vestidos, uniformes profissionais, artigos infantis, decoração (como cortinas e capas), além de aplicações industriais e promocionais – ou seja, se trata de uma importância estrutural, figurando como uma das bases de maior volume e versatilidade, atendendo desde segmentos de baixa margem até linhas premium.
Como outros países lidaram com dumping da China em um passado recente
Nos últimos anos e décadas, outros países já tiveram de lidara com inundação de produtos chineses. Entre 2012 e 2014, a preocupação dos Estados Unidos foi para com painéis solares e células fotovoltaicas vindas da China.
O Departamento de Comércio do país chegou a constatar que certos módulos e células solares originários da China (e alguns fabricados com componentes chineses em outros países) estavam sendo vendidos com dumping; isso levou a anti-dumping e countervailing duties (tarifas impostas sobre produtos importados) e a medidas de combate ao contorno dessas ordens.
Simultaneamente, a indústria de base tornou-se um campo de batalha na Europa e na Ásia, com a Comissão Europeia pensado a mão em ações no setor siderúrgico, abrindo investigações recentes, como a de 2024 sobre folhas de flandres (tinplate), um material que é essencial para embalagens.
A conclusão de que o produto era vendido abaixo do valor justo, o que motivou barreiras para proteger a siderurgia do bloco econômico.
Na mesma linha, a Índia consolidou-se como um dos usuários mais agressivos de defesa comercial, aplicando, entre 2023 e 2024, direitos antidumping sobre uma vasta gama de produtos, desde aço inoxidável até produtos químicos industriais, como álcool isopropílico, citando prejuízo material severo às usinas locais.
