01/02/2002 - 8:00
No início da noite de terça-feira 29, Marcos José, filho de Marcos Magalhães Pinto, ex-controlador do Banco Nacional, participava de uma reunião na casa do advogado Nélio Machado. O encontro se estendia além do esperado e, de tempos em tempos, Marcos José olhava o relógio. Dali a alguns minutos, ele teria um jantar com o pai, libertado na manhã daquele mesmo dia depois de passar quatro dias detido no Ponto Zero, a prisão especial localizada no bairro de Benfica, na zona norte do Rio de Janeiro. O tempo era exíguo, assim como as energias, consumidas por noites mal dormidas. Mas quando a conversa derivou para a intervenção no banco de sua família e a sentença que condenava o pai a 28 anos de prisão, Marcos José pareceu despertar e passou a relatar com entusiasmo uma longa relação de argumentos financeiros e jurídicos para a defesa.
Naquele momento, Marcos José sabia que a eloqüência e o envolvimento seriam armas fundamentais para a elaboração da estratégia de defesa do pai, que procuraria tirar os Magalhães Pinto do inferno em que mergulharam desde a prisão de seu patriarca. Na sexta-feira anterior, 25, agentes da Polícia Federal tocaram a campainha da casa de Magalhães, uma mansão na Gávea, Rio de Janeiro, e, por força de um mandado de prisão preventiva, saíram de lá levando o proprietário. Na porta de entrada da prisão, encontrou-se com seus antigos companheiros de diretoria do banco, entre eles o principal desafeto, Arnoldo de Oliveira. Um acusa o outro pela responsabilidade de um rombo estimado em US$ 9 bilhões nas contas da instituição.
A detenção pegou a família e os advogados de surpresa. Afinal, a leitura da sentença do processo que corre contra o ex-banqueiro estava prevista para a semana seguinte e, segundo seus defensores, não havia motivo para a detenção. Não era assim que pensava o juiz Marcos Moliari, responsável pelo julgamento. Para ele, havia risco de fuga dos réus e, por isso, seria necessária a detenção antecipada de Magalhães e dos demais envolvidos no caso. A sentença foi lida apenas na segunda-feira. Magalhães foi condenado a mais de 28 anos de prisão e ao pagamento de uma multa superior a R$10 milhões. Na terça, graças a um habeas-corpus concedido pelo presidente do Supemo Tribunal Federal Marco Aurélio de Mello, o ex-banqueiro foi libertado. A partir de agora, a defesa trabalhará em duas frentes. Numa delas, lutará para manter o habeas-corpus concedido temporariamente por Mello. Na outra, apelará para uma segunda instância contra a decisão de Molinari.
Para os advogados, o risco de Magalhães voltar às celas do Ponto Zero é reduzido. ?Ele não tem, e nunca teve, a intenção de deixar o País?, diz Nélio Machado, advogado criminalista responsável pela defesa. Segundo ele, a detenção foi ?injusta e obscena?, baseada na ?interpretação torta? de um fato. Semanas antes da prisão, Magalhães havia procurado o Consulado Americano para transferir o visto de entrada nos Estados Unidos de um passaporte vencido para o novo. ?Ele poderia viajar com os dois passaportes se quisesse, mesmo porque tinha permissão da Justiça para sair do Brasil?, afirma ele. O juiz Molinari preferiu lembrar o caso do também ex-banqueiro Salvatore Cacciola, dono do Banco Marka, que, depois de uma temporada no Ponto Zero, aproveitou um habeas-corpus e fugiu para a Itália, onde vive até hoje.
Os Magalhães, porém, convivem com o temor de uma nova detenção de seu patriarca. Mesmo nos momentos mais agudos desde a intervenção no banco em 1995, ninguém na família acreditava que um membro da família pudesse ir para trás das grades. Ao longo desse período, Magalhães, a mulher e os seis filhos estabeleceram uma rotina diferente das dos tempos do Banco Nacional. Tímido por natureza, avesso a badalações públicas, Magalhães, aos 66 anos, tornou-se ainda mais retraído. Continua acordando cedo, lê os jornais e, depois de uma caminhada pelos jardins de sua casa, dedica-se ao que chama de seu ?atual emprego?: trabalhar na estruturação da defesa nos diversos processos que correm contra ele. Marcos José, o primogênito, é o membro do clã que acompanha o assunto mais de perto. Ele também está à frente da Cebepe, a holding que aglutina os negócios dos Magalhães Pinto.
As saídas de Magalhães da casa são cada vez mais raras. Aos domingos, vai à igreja ? católico de batismo, a religião adquiriu um papel central em sua vida depois de 1995. Outro destino dos esporádicos passeios é o escritório de um de seus advogados, Sérgio Bermudes, localizado no centro do Rio de Janeiro. Marcos manteve algumas amizades dos tempos de Banco Nacional, como a do ex-ministro José Aparecido de Oliveira. Outro interlocutor freqüente é o também banqueiro Antônio Carlos de Almeida Braga. Todos os dias, enquanto o amigo esteve detido, Braguinha ligava de Portugal, onde vive hoje, para os parentes de Marcos em busca de informações.
Mas atualmente ninguém tem tanta influência junto a Magalhães e à família como a dupla de advogados Nélio Machado e Sérgio Bermudes. Os Magalhães Pinto não tomam qualquer decisão antes de consultá-los. Meses atrás, quando sua filha resolveu casar, Magalhães ligou para Machado perguntando sobre a conveniência de dar uma festa. Machado liberou a comemoração. Partiu deles também a orientação para que a família mergulhasse em silêncio absoluto desde o momento da intervenção. Isso não impediu, porém, que ao longo do período, Magalhães tenha sofrido duros revezes. Há pouco mais de um ano, o Banco Central o proibiu de atuar no mercado financeiro. Na semana passada, passou alguns dias na prisão. E a sentença de condenação foi duríssima. Nenhum outro ex-banqueiro recebeu tantos golpes quanto Magalhães.
O ex-banqueiro desenvolveu uma linha de argumentação coerente. O problema é que ela raramente chega ao público, a não ser em uma ou outra sessão desta ou daquela CPI ou em depoimentos à Justiça feitos a portas fechadas. É esse conjunto de argumentos que eles levarão aos tribunais na tentativa de reverter a sentença do juiz Molinari. A família sustenta que não havia contas inativas que abrigavam empréstimos fictícios, e sim créditos de liquidação duvidosa colocados como créditos em processo de liquidação.
?Realmente existe um erro contábil, mas não fraude?, afirma Machado. Magalhães também afirma que não se beneficiou da distribuição de dividendos, graças a lucros inflados pela contabilidade. Nos cinco anos anteriores à intervenção, a família recebeu US$ 145 milhões a título de dividendos, mas garantem que fizeram aportes no Nacional no dobro desses valores. ?Se os resultados foram engordados artificialmente, então, os minoritários também receberam mais dividendos do que deveriam e o banco recolheu imposto de renda superior ao realmente devido?, costumam argumentar os Magalhães Pinto.
Não bastasse os nós jurídicos, os Magalhães Pinto carregam ainda o estigma do sobrenome famoso. Magalhães é filho de José de Magalhães Pinto, ex-governador de Minas Gerais e ex-ministro das Relações Exteriores. Foi um dos mais influentes políticos civis durante o regime militar implantado no País em 1964. Integrantes da família sempre tiveram seus nomes ligados à alta sociedade carioca e, não raro, freqüentam festas badaladas e colunas sociais. Magalhães sempre foi uma exceção nesse aspecto, mas quis o destino que justamente seu nome se tornasse o mais visado da família.