03/09/2021 - 17:00
Pressionado pela combinação de inflação, desemprego em alta e menor abrangência e disponibilidade de recursos do auxílio emergencial, o brasileiro reduziu as quantidades compradas de alimentos, bebidas e produtos de higiene e limpeza no primeiro semestre deste ano. Houve diminuição de volumes em praticamente todas as cestas. A prioridade do consumo diário ficou concentrada nos alimentos básicos: o arroz e o feijão.
O orçamento mais curto das famílias também mudou o consumo de itens até então não considerados tão básicos, como empanados de frango e de peixe, por exemplo. No primeiro semestre, o produto estreou em 3,4 milhões de domicílios como uma alternativa de proteína animal mais barata à carne vermelha, que subiu 31,31% em 12 meses até agosto, segundo o IPCA-15 do mês – indicador que é uma prévia da inflação oficial do País, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). É o equivalente a três vezes a inflação geral no mesmo período (9,30%) pelo indicador da prévia da inflação.
Esse rearranjo nas compras aparece em uma pesquisa da consultoria global Kantar, obtida com exclusividade pelo Estadão. Mensalmente, a consultoria tira uma fotografia da despensa de 11 mil domicílios para projetar o consumo de 58,8 milhões de lares do País.
De janeiro a junho, o volume de unidades compradas de uma cesta de 107 categorias foi 4,4% menor em relação a igual período de 2020. Mas o gasto subiu 6,9%, puxado pelo aumento médio de 11,8% dos preços desses produtos. No curto prazo, do primeiro para o segundo trimestre, as commodities, com alta de 16%, e os perecíveis, com 15%, estiveram no topo das cestas com os maiores aumentos de preços, aponta a pesquisa. Isso abriu caminho para que os empanados, sinônimo de praticidade, começassem a fazer parte regularmente da lista de compras de todas as classes sociais.
Mudança a contragosto
Responsável pelo preparo das refeições da família, a aposentada Maristela Colleoni Soares, de 54 anos, passou a incluir na rotina o produto empanado para economizar na carne. Antes, esses alimentos industrializados eram consumidos esporadicamente. “Sou supercontra empanados e qualquer alimento processado, só que, com a alta do preço da carne, ficou inviável. Daí, comecei a comprar”, diz.
A cada refeição que prepara para a família de cinco pessoas – ela, o marido, o casal de gêmeos e a mãe -, Maristela gasta um pouco mais de 1 quilo de carne, cerca de R$ 50 a R$ 60. Pelos empanados, desembolsa perto de R$ 40 por um saco de dois quilos e usa em várias refeições.
“Foi uma substituição forçada por conta do aumento do gasto com alimentação, eletricidade, gás, tudo subiu”, afirma a aposentada. Entre a carne e outros itens, como iogurte, por exemplo, Maristela cortou em cerca de 10% as quantidades compradas de alimentos, produtos de higiene e limpeza e, mesmo assim, está gastando 40% mais. Sem os cortes, acredita que teria um acréscimo de 70% nos gastos.
“O consumidor teve de fazer escolhas e abandonou uma série de categorias para fazer o orçamento funcionar com menos recursos no bolso”, afirma Renan Morais, gerente de Soluções da Kantar. No caso dos mais pobres, a maioria dos brasileiros, ele lembra que o auxílio emergencial, que beneficiou no ano passado 55% da população com recursos de R$ 600 nos primeiros três meses, chegou a 39% dos brasileiros no primeiro semestre deste ano. E com cifras bem modestas, entre R$ 150 e RS 250 mensais.
Isso fez a população da base da pirâmide social cortar o consumo de supérfluos. A pesquisa revela que quase um milhão de domicílios das classes D e E, com receita mensal entre R$ 270 e R$ 1,6 mil, tirou o achocolatado em pó das compras no primeiro semestre deste ano. No polo oposto, também quase meio milhão de lares das classes A e B, com renda média mensal familiar acima de R$ 7,2 mil, deixou de comprar cerveja em igual período.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.