19/11/2008 - 8:00
QUEM ASSISTIU AO ENCONTRO das autoridades econômicas do G-20, em São Paulo, na semana passada, saiu com a impressão de que não existe mais inflação no mundo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi categórico. ?O risco maior é a deflação?, disse ele. Posições parecidas foram transmitidas por figurões internacionais, como Dominique Strauss-Kahn, chefe do Fundo Monetário Internacional, e Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu. O raciocínio tem lógica.
Com a crise global, caem os preços dos minérios e dos alimentos. No Brasil, porém, o quadro é um pouco diferente. Nos últimos 12 meses o IPCA acumulou alta de 6,41% e encostou no teto da meta para o ano, de 6,5%. Neste ano, o índice está em 5,23%. Já o IGPM ? índice que atualiza, por exemplo, contratos de aluguel e tarifas públicas ? está em 9,53% em 2008 e deve encerrar o ano acima de 11%. E a alta do dólar, que se aproximou de R$ 2,40 na quinta-feira 13, era um novo fator de preocupação. Diante disso, foi necessário que Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, entrasse em ação para colocar os pingos nos is. Teve de ler textualmente toda a declaração oficial do G-20, numa entrevista à imprensa, para demonstrar que não houve nenhuma decisão coletiva de corte de juros ? aliás, o documento faz menção explícita às pressões provocadas nos países emergentes pela alta do dólar. ?Os bancos centrais devem adotar a política monetária para manter a inflação sob controle. Em alguns países, justifica-se o corte de juros. Aqui, não?, rebateu Meirelles.
Na Europa, onde vários países como Espanha e Inglaterra já entraram em recessão, o quadro é outro. Os receios se concentram no arrefecimento da economia, nos riscos de quebradeira de bancos e até numa deflação, em decorrência do encolhimento do consumo. O problema é que tanto uma alta de preços quanto um recuo acentuado são ameaças ao bom funcionamento da economia. ?Os dois podem levar um país à profunda recessão?, afirmou Trichet, do BC Europeu. A inflação na zona do euro caiu muito. De janeiro a outubro, o índice acumulou alta de 2,4% e deve fechar o ano em 2% com a aguardada deflação. Mas isso não serve de parâmetro para o Brasil, diz Meirelles. ?Se os sintomas são diferentes, os remédios e as doses também não podem ser iguais?, argumentou ele, ao justificar a manutenção da taxa Selic em 13,75%.
Logo que a contradição ficou evidente, uma pergunta começou a circular nos círculos econômicos. Meirelles está certo ou o mundo está errado? Para o economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo, ambos estão corretos ? e Meirelles mais ainda. ?O Brasil tem hoje características diferentes das economias mais afetadas pela crise. Na Europa e nos Estados Unidos, a recessão é uma realidade. Aqui, não há recessão. Os mais pessimistas prevêem um PIB de 3% a 3,5% no ano que vem. No nosso caso, a inflação preocupa bem mais?, afirma.