26/10/2022 - 8:48
Com a cabeça descoberta, tatuagens nos punhos e camiseta de manga curta, Talia se destaca em um supermercado frequentado por judeus ultraortodoxos. Diante da inflação galopante, essa israelense vai a lojas com descontos geralmente frequentadas por famílias numerosas.
“Não tenho escolha a não ser vir aqui. Receio não poder alimentar meus dois filhos”, explica a enfermeira de 32 anos, com o carrinho cheio de pacotes de macarrão no supermercado nos arredores de Jerusalém.
“Trabalhamos como loucos, multipliquei meus turnos noturnos, e meu marido, eletricista, trabalha até nos finais de semana”, desespera-se a mulher que prefere não dar o sobrenome.
O aumento do custo de vida castiga os mais pobres de Israel há anos, excluídos do boom econômico da “nação de empresas emergentes”.
Mas com o recente aumento dos preços dos alimentos, até a classe média se vê em situação precária. Uma questão que está no centro das eleições legislativas de 1º de novembro.
A professora Ayelet Benshoshan empurra seu carrinho entre as prateleiras do supermercado Rami Lévy, que se gaba de propor “a cesta básica mais barata do país”.
Com os olhos fixos na lista de compras, passa por cartazes de cores vivas anunciando as promoções: pepino a 2 shekels (US$ 0,57) o quilo, carne em promoção, latas de atum com desconto…
“Sempre prestamos atenção, mas agora há muitas coisas que simplesmente deixamos de comprar”, explica a mulher de quarenta anos, que diz ter desistido dos “chocolates, biscoitos e cereais”.
Com cinco filhos “todos ainda em casa”, ela e o marido, que trabalha na manutenção de uma escola, vivem “com dificuldades”. “Cada vez preparo mais coisas em casa, como pão, para evitar comprá-las”, explica.
– Vida cara –
A rede Rami Lévy registrou um aumento nas vendas de 15%, seduzindo uma classe média que luta cada vez mais para sobreviver, disse à AFP o proprietário Rami Lévy.
“Com o aumento dos preços, as pessoas começaram a nos procurar porque sabem que é mais barato”, explica.
Em 2021, a revista The Economist classificou Tel Aviv como a cidade mais cara do mundo, à frente de Paris, Hong Kong e Nova York, em parte devido à explosão dos preços imobiliários em um país em crescimento devido ao auge das novas tecnologias.
O custo de vida já proibitivo somou-se, esse ano, a uma inflação recorde em mais de uma década (+4,6% nos últimos 12 meses), segundo dados oficiais divulgados em outubro.
Para Aron Troen, professor da Escola de Saúde Pública da Universidade Hebraica de Jerusalém, essa situação ameaça a segurança alimentar de muitas famílias, além das classes mais pobres.
“Como há uma rápida inflação dos preços dos alimentos e os salários não acompanham, a classe média que tem que gastar mais dinheiro não só com alimentação, mas também com aluguel, transporte, combustível, educação, etc, começa a ter dificuldades”, explica.
“Começam mudando a qualidade do que comem, depois pulam refeições ou apenas alimentam as crianças”, diz Troen.
Segundo a Agência Nacional de Proteção Social, mais de 20% da população israelense estava em insegurança alimentar em 2021. O principal banco de alimentos do país, Latet, elevou a estimativa para 30%.
Durante a campanha eleitoral, os partidos competem com promessas de conter a inflação.
“Gostaria que pensassem em nós, cidadãos comuns, que trabalhamos duro, que temos filhos, pagamos nossos impostos e fazemos nosso serviço civil e militar. Merecemos uma vida mais fácil”, reclama Ayelet Benshoshan.