O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tirou do ar um relatório que apontava descontos em lote indevidos que favoreceram a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), entidade ligada ao PT, na época do governo Jair Bolsonaro (PL).

O relatório da auditoria do INSS apontou que o INSS realizou, em setembro de 2022, um desbloqueio em lote de 30.211 benefícios para desconto em folha a pedido da Contag. O procedimento não respeitou as regras legais e ocorreu sem comprovação de autorização por parte das pessoas lesadas, segundo os auditores. A investigação traz o relato de aposentados que dizem terem sido enganados e induzidos ao erro.

O documento foi revelado pela revista piauí e obtido pelo Estadão. O INSS afirmou que o documento foi publicado no site do órgão por “uma falha de procedimento” antes de ser concluído. “Desse modo, o seu teor não tem valor como documento institucional do INSS, que não atesta a veracidade e a integridade das informações nele contidas”, afirmou o instituto. A Contag ainda não se manifestou.

A auditoria aponta que a Coordenação-Geral de Pagamentos de Benefícios (CGPAG), vinculada à Diretoria de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão do INSS (Dirben), encaminhou à Dataprev uma demanda da Contag em 22 de setembro de 2022 solicitando o desbloqueio dos benefícios com a finalidade de permitir o desconto em folha.

O desconto de mensalidades é o centro da Fraude do INSS, que culminou na Operação Sem Desconto, da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU). O esquema levou à demissão do então ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, e do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, além do afastamento de outros servidores do órgão.

Aposentados e pensionistas do INSS tiveram descontos não autorizados em seus benefícios que bancaram associações e sindicados. A fraude superou R$ 3 bilhões. Os débitos ocorreram ainda no governo Bolsonaro e aumentaram no governo Lula, de acordo as apurações oficiais.

O desbloqueio em 2022 habilitou 30.211 descontos relativos à Contag e, posteriormente, de outras entidades com acordos formalizados junto ao INSS, uma vez que o procedimento tem efeito para qualquer rubrica de mensalidade associativa, segundo os auditores.

“Os resultados evidenciaram que o desbloqueio em lote ocorreu sem qualquer formalização que justificasse os pressupostos de direito e de fato que levaram o INSS a autorizar, em desacordo com a norma vigente, o procedimento por meio da demanda DM.101310, pois não foi comprovada a autorização prévia, pessoal e específica dos titulares dos benefícios afetados, conforme alegado pelos próprios segurados”, diz o documento.

Para a equipe de auditoria, houve falha do INSS no controle da operação e os procedimentos que deveriam rastrear os descontos foram ignorados. “Isso comprometeu a rastreabilidade, transparência e efetividade das salvaguardas operacionais, agravando os impactos identificados”, conclui o relatório.

Durante a investigação, a Contag apresentou documentos para comprovar a autorização dos descontos na maioria dos casos solicitados, mas a auditoria identificou manifestações de repúdio por parte dos beneficiários afetados pelo desbloqueio em lote.

“Fui enganado, o presidente do sindicato em nenhum momento me informou sobre esses descontos, simplesmente pediu para eu assinar alguns documentos, mas não me informou do que se tratava ou que teria algum desconto em meu benefício”, diz um aposentado, que não teve a identidade revelada, cujo relato aparece na auditoria. “Fui enganada, me aposentei pelo sindicato e eles não me falaram que iam fazer isso”, diz outra segurada.

Segundo a auditoria do INSS, “todas essas manifestações suscitam dúvidas quanto à validade das autorizações e à transparência do procedimento, especialmente no que se refere às circunstâncias de obtenção das assinaturas e à clareza das informações prestadas no momento da adesão.”

O relatório aponta que 2.983 beneficiários apresentaram ao menos um requerimento de exclusão do desconto até 22 de maio de 2025 pelos canais do INSS e 3.384 registraram contestações após a deflagração da Operação Sem Desconto.

“Tais manifestações indicam que a documentação apresentada pela entidade para justificar a regularidade do desconto não comprova, de forma segura, o consentimento do titular do benefício”, afirmam os auditores.

Até o dia 9 de julho, em 297 dessas contestações, os titulares dos benefícios discordaram da justificativa apresentada pela Contag quanto à regularidade dos descontos efetuados. A maioria diz ter sido induzida ao erro.

O desbloqueio em lote ocorrido no governo Bolsonaro é semelhante a outro desbloqueio em lote e automático de 34 mil benefícios em 2023, no governo Lula, que apareceu nas investigações da PF e levou a polícia a investigar o ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto. Esse também foi um motivos que levou a PF a apontar o envolvimento de Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, então chefe da Procuradoria Federal do órgão, no esquema.

INSS repassou R$ 2,59 bilhões para a Contag desde 2019

Desde 2019, a Contag recebeu R$ 2,6 bilhões em descontos de benefícios do INSS. Nos quatro anos do governo Bolsonaro, os repasses somaram R$ 1,6 bilhão. No governo Lula, os pagamentos chegaram a R$ 1 bilhão e foram suspensos após a operação da Polícia Federal.

As investigações da CGU apontaram que a maioria dos descontos realizados pela Contag não foram autorizados pelos aposentados do INSS, assim como os valores repassados a outras entidades.

A Polícia Federal e o Ministério Público Federal suspeitam que a instituição foi beneficiada com descontos indevidos de milhares de aposentados e pensionistas do INSS e que a ação pode ter ocasionado enriquecimento ilícito dos envolvidos. A Contag nega irregularidades desde o início das revelações.

O governo Lula acionou na Justiça e em processo administrativo entidades envolvidas na fraude para cobrar o ressarcimento dos valores desviados, mas excluiu a Contag e outros sindicatos ligados ao PT das medidas. A justificativa é que as ações se concentraram nas instituições de fachada e naquelas usadas para pagamento de propina.

Conforme o Estadão mostrou, um bufê que recebeu dinheiro da Contag fica em um endereço em Brasília com as portas fechadas e tem apenas um cartaz com o nome e o telefone colado do lado de fora.

A Polícia Federal suspeita que essa e outras empresas tenham recebido valores desviados da folha de pagamento de aposentados. A Contag nega qualquer irregularidade nos pagamentos.