12/02/2024 - 17:58
Para especialistas, operação da PF mostra que Brasil esteve à beira de uma ruptura democrática, mas resiliência das instituições, sobretudo do STF, com o respaldo de países como EUA, foram fundamentais para deter plano.Na avaliação de especialistas, as revelações da Operação Veritatis, da Polícia Federal, sobre a suposta tentativa de golpe de Estado no Brasil envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, mostram que o país esteve perto de uma ruptura, mas que as instituições democráticas foram fundamentais na contenção dos planos.
A iniciativa, que contou com o apoio de parte dos militares no governo, foi contida com grande ímpeto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e, também, pela falta de apoio externo, especialmente dos Estados Unidos, apontam. Neste cenário, a democracia brasileira demonstrou resiliência e saiu fortalecida, avaliam.
“Evitamos uma ruptura democrática por pouco”, destaca Marco Antônio Teixeira, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Muito do que ouvíamos passa a fazer mais sentindo com as revelações, incluindo as mobilizações nas portas dos quartéis e as manifestações em redes sociais de aliados do governo”, afirma.
Para o professor, sem a tomada de medidas antes das eleições, como as discutidas na reunião de ministros de julho de 2022 que teve quebra de sigilo, seria mais difícil alterar o processo após a divulgação dos resultados. Neste caso, houve uma tentativa de descredibilizar o sistema eleitoral por parte dos golpistas. Segundo Teixeira, havia uma articulação dos generais de dentro do governo buscando influência. “No entanto, a cúpula não topou o golpe, especialmente os militares na ativa”, destaca.
O professor lembra que se falava com receio de um eventual apoio das polícias militares ao golpe, o que não aconteceu na prática. Por outro lado, ele reforça que os atos de 8 de janeiro de 2023 tiveram “complacência” das forças de segurança do Distrito Federal.
Para Valetina Sader, diretora adjunta e líder para Brasil do Atlantic Council, think tank americano no campo das relações internacionais, os acontecimentos que seguiram o 8 de janeiro e as recentes revelações mostram que as instituições brasileiras são resilientes e conseguem discernir, investigar e, eventualmente, julgar indivíduos e ações independentemente de quem sejam. “Depois do 8 de janeiro, se mostraram capazes de investigar atos antidemocráticos, reforçando assim seu poder independente”, aponta.
Mais de um ano após os atos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já denunciou 1.413 pessoas, quase todas acusadas de serem incitadoras ou executoras dos ataques. Dentre elas, 30 foram julgadas e condenadas pelo STF a penas que chegam a 17 anos de prisão, por crimes como associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e deterioração de patrimônio tombado.
“Porém, no momento político polarizado em que o Brasil se encontra, é preciso cuidado e transparência para com a imparcialidade”, afirma a analista. Para Sader, é preciso que haja controle dos procedimentos para que a imparcialidade seja mais institucionalizada e os questionamentos sejam menores.
A importância do STF
“O STF foi muito importante, assegurando o processo democrático”, avalia Teixeira. Além das ações diretas contra os golpistas, o professor destaca que a Corte atuou, inclusive, na manutenção da credibilidade eleitoral, como no caso das ações contra fake news.
Para Sader, de toda forma, a lição que fica sobre a democracia do Brasil é a de que as instituições democráticas e o sistema de pesos e contrapesos entre os poderes foram e são resilientes.
“O país mostrou ter lideranças democráticas cientes de seus papéis institucionais. E uma justiça eleitoral especializada cujo regramento atenua a polarização e o extremismo no âmbito eleitoral e democrático”, afirma a analista.
Influências externas e repercussões no exterior
Para Teixeira, forças externas ajudaram a assegurar o processo democrático brasileiro, com destaque para as manifestações governamentais americanas. Em sua visão, a mudança de governo de Donald Trump para Joe Biden foi favorável ao Brasil.
Autoridades do governo americano se manifestaram uma série de vezes apoiando o processo democrático no Brasil. Logo após a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Biden conversou com o homólogo brasileiro por telefone, ocasião na qual expressou apoio ao processo eleitoral no país.
“As comparações do 8 de janeiro [de 2023] no Brasil com o 6 de janeiro [de 2021] nos Estados Unidos foram inevitáveis”, diz Sader, que aponta que as comparações do que se seguiu também serão. Em conjunto, tanto o 6 quanto o 8 de janeiro mostraram a insatisfação para com o sistema democrático e a mitificação que permeia a sociedade hoje em dia, avalia.
“E ambas não se limitam aos dois países. Vemos no mundo um crescente questionamento sobre o quanto a democracia e a personificação política entregam ou deixam de entregar para a população”, afirma a analista.
A lição que fica
“A resistência à tentativa de golpe mostra que as instituições saem fortalecidas”, avalia Teixeira.
Segundo ele, entre 2019 e 2022, “tivemos um cenário de desrespeito às instituições mais forte, incluindo descumprimento de ordens judiciais”. O professor cita como exemplos os casos de Roberto Jefferson e Daniel Silveira, ambos políticos que recusaram ordens de prisão neste período.
Neste contexto, houve ainda a declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro, que em 2018 afirmou que bastaria mandar “um soldado e um cabo” para fechar o STF. Por sua vez, na visão de Teixeira, nos últimos meses este cenário de rechaço às instituições no Brasil retrocedeu.
“Para os próximos capítulos dessa história, o Brasil precisa garantir a institucionalização dos processos e funções de Estado, especialmente o papel do Judiciário, o que proporcionará uma duradoura estabilidade política fomentadora do necessário engajamento democrático do cidadão”, conclui Sader.