02/02/2023 - 14:02
Um dos acontecimentos mais propalados nas últimas semanas é a disponibilização, em caráter experimental e gratuito, da plataforma ChatGPT, da OpenAI, um modelo de Inteligência Artificial que interage em forma de conversa, apresentando soluções de problemas relativamente complexos, sugestões de textos, narrativas e até “poesia” a partir de temas e informações propositivas fornecidas por um usuário. A novidade vem provocando as mais diversas reações nas mídias tradicionais e nas redes sociais.
Num espectro que vai desde declarações entusiásticas e eufóricas, até pregações apocalípticas e distópicas, encontramos também análises mais profundas e ponderadas (a minoria, infelizmente), as quais nos fornecem um rico material para reflexão. Entretanto, mais do que propor um novo artigo de opinião sobre o valor e impacto destas recentes aplicabilidades da IA no mundo, na sociedade, na cultura, resolvi usar este pequeno espaço de minha coluna para comunicar um experimento empírico que eu mesmo fiz com o famigerado chat.
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Depois de realizar todo o procedimento de cadastro e ser informado do modus operandi do sistema, assim como seus objetivos e regras, iniciei minha experiência formulando a seguinte demanda: escrever um texto sobre os efeitos da Inteligência Artificial no mundo do trabalho nos próximos anos. Devido à restrição de caracteres deste meu espaço de conversa com você, leitor(a), não irei reproduzir aqui a redação gentilmente fornecida pela interlocutora cibernética – até porque você mesmo(a) pode reproduzir a experiência para obter exatamente o mesmo resultado que eu. O que interessa, aqui, é aferir que o texto do sistema falando sobre si mesmo não se distingue, essencialmente, daqueles produzidos pelas inteligências “naturais” que têm aparecido em profusão nas mídias. Ou seja, podemos concluir que, por mais surpreendente e bem articulada que seja a capacidade da Inteligência Artificial de elaborar textos e outras operações complexas, ela não vai além daquilo que comumente chamamos de obviedade, de “senso comum”, no sentido mais raso do termo.
Tal constatação, entretanto, não me surpreende, pois, como sabemos, a IA nada mais é do que a replicação (cada vez mais ampliada, rápida e complexa, sem dúvida) de uma certa dimensão da inteligência humana, que convencionamos chamar de “raciocínio”, num processador externo ao nosso cérebro. Sendo o “raciocínio” a operação mais “técnica” ou “automática” da nossa inteligência, a que menos depende de fatores existenciais da experiência humana, como vivências, sentimentos, afetos, intuições, não deveríamos nos espantar com o fato desta operação poder ser estabelecida num ambiente artificial, produto da “arte” humana.
Desconectados de todas as dimensões dramáticas e conflituosas da existência, esses “cérebros” artificiais, essas cada vez mais potentes máquinas de raciocinar, têm se demonstrado um recurso indiscutivelmente útil e facilitador para nos auxiliar nas obviedades da vida; na dimensão mais técnica e instrumental da existência, que, cabe reconhecer, são indispensavelmente necessárias. Assim, olhando por esta perspectiva, o desenvolvimento da IA parece ser algo extremamente positivo, por nos possibilitar uma verdadeira libertação do domínio da obviedade. Com seu auxílio, já não será mais necessário gastar tanto tempo e energia para executar tarefas inócuas e repetitivas, burocráticas e monótonas, liberando-nos para que nos dediquemos a trabalhos e ocupações mais criativas, desafiadoras, inusitadas – trabalhos e ocupações que mobilizam outras dimensões da nossa inteligência, que vão além do raciocínio e que os antigos chamavam de operações do espírito.
A Inteligência Artificial apresenta, portanto, a possibilidade de nos libertar da escravidão da obviedade, do raso, do técnico, do binário. Entretanto, será que estamos todos preparados para viver do profundo, do criativo, do indefinível, do irracionável, do hermenêutico (aquilo que não se reduz a zero e um)? A era da Inteligência Artificial vai exigir, necessariamente, uma nova educação: uma educação não mais técnica, mas humanística, para que essa “libertação” não nos reduza a uma nova e mais aviltante escravidão.