24/08/2022 - 11:42
Rodeado por dezenas de homens que representam os cavaleiros teutônicos em um campo de batalha, um ator que vive o príncipe russo Alexander Nevsky proclama: “Esta terra é russa, sempre foi e sempre será”, um enredo medieval, porém, atual.
A interpretação foi organizada por apaixonados por história na localidade russa de Samolva, às margens do lago Peipus, que deságua na Rússia e também na Estônia.
Neste lago, que durante a batalha real estava congelado, o príncipe de Novgorod, Alexander Nevsky, derrotou soldados da Ordem Teutônica em abril de 1242. Estes cavaleiros eram originários da região onde atualmente fica a Alemanha e pretendiam conquistar o território da Rússia medieval para converter seus habitantes ao catolicismo.
A figura de Nevsky ocupa oito séculos mais tarde um lugar importante no imaginário da história russa construído pelo presidente Vladimir Putin para justificar sua ofensiva na Ucrânia como uma medida para proteger as populações de idioma russo ameaçadas pelo Ocidente.
– Paralelos históricos –
“Lutaremos agora contra a Europa como fizeram nossos ancestrais”, declarou Oleg Yakontov, um paraquedista aposentado de 56 anos, com o rosto suado pelo exercício. Na atuação, lutou com escudo e espada contra os cavaleiros teutônicos.
Para Vladislav Vasiliev, de 23 anos, “Nevsky simboliza a defesa da pátria e a vitória”.
Centenas de turistas assistiram em família à apresentação em um dia ensolarado com cheiro de churrasco e ao som de rock. A jornada terminou com uma demonstração de combates com armas brancas de uma tropa de cavalaria liderada por um jovem ator loiro que encarna Alexander Nevsky.
Em setembro de 2021, Vladimir Putin e o patriarca da Igreja Ortodoxa da Rússia, Kirill, inauguraram juntos uma imponente escultura metálica que representa o autoritário príncipe de Novgorod e sua tropa.
“A figura de Alexander Nevsky é realmente grandiosa”, declarou o dirigente russo, que o elogiou como um “comandante militar brilhante” e um habilidoso diplomata.
Para vencer as cruzadas, Nevsky precisou colaborar com a grande potência da época, os mongóis da Horda Dourada, que devastaram e subjugaram uma grande parte dos principados russos.
Segundo o Kremlin, uma aproximação decisiva da Ásia o permitiu salvar tradições russas frente ao expansionismo ocidental.
“Sua grande conquista foi sua escolha pela civilização”, explicou à AFP o padre ortodoxo Igor Fomin, de 52 anos, que assistiu ao espetáculo. “Ele privilegiou o aspecto espiritual, sua pátria, seu povo, colocando-os a frente do comodismo”, indicou.
Esta estratégia se apresenta atual em um momento em que a Rússia, que enfrenta sanções sem precedentes do Ocidente por seu ataque à Ucrânia, impulsiona uma grande proximidade econômica e política com a China.
– Putin como sucessor –
Na era soviética, a figura heroica de Nevsky, que no entanto, era um símbolo religioso, foi instrumentalizada e ficou gravada na memória coletiva graças a um filme de Sergei Eisenstein, lançado em 1938.
Em uma cena, cuja veracidade é colocada em dúvida por historiadores, os cavaleiros teutônicos, muito pesados, morrem afogados após quebrar o gelo do lago congelado.
A obra, que foi encomendada por Stalin, buscava uma mobilização frente a Alemanha nazista, mas logo foi proibida pelo pacto de não agressão entre a URSS e Hitler, que vigorou entre 1939 e 1941.
Após o ataque lançado pelo Terceiro Reich contra Moscou, foi exibido novamente.
Este pacto está entre seus feitos menos gloriosos, como os crimes da União Soviética, que o Kremlin tenta minimizar ativamente na Rússia, reprimindo os críticos de sua interpretação da história.
O culto a Alexander Nevsky se imprime nesta política e para a maioria do público do espetáculo não há dúvidas sobre quem é o sucessor deste príncipe.
“Nosso presidente continua este trabalho”, indicou Oleg Davidov, um engenheiro de 52 anos. Para ele, Putin encarna “a defesa do país, sua fortaleza e sua segurança”.